"Por isso, enviou dez rapazes e lhes disse: "Levem minha mensagem a Nabal, em Carmelo, e o cumprimentem em meu nome."
1 Samuel 25:5__________________🗡️🏹__________________
— Gael! — Senti alguém puxar a manga da minha túnica e ao virar-me, percebi que era Eva. Os cabelos negros, frisados pela umidade, refletiam a luz do sol que brincava com seu rosto aturdido. — Tem ideia do que está fazendo? Você sabe que Nabal odeia Davi. — Sussurrou, alternando o olhar entre mim e os soldados que subiam a escadaria de barro da casa de Nabal, enquanto trocavam cochichos misteriosos.— E o que espera que eu faça!? Dez soldados Eva, Dez! Espera que eu lhes negue ajuda? Se o fizer, os corvos estarão comendo a minha carne ainda hoje.
— Pois eu temo, que se entrar acompanhado de dez soldados de Davi na casa de Nabal, não dê tempo para que os corvos se amontoem e logo estará enterrado! — Eva me perfurava com o olhar e eu sorri.
— Quer dizer que teme pela minha vida? — ergui uma sobrancelha zombeteira e cruzei os braços.
— Arg, estou falando sério Gael! — replicou, atordoada.
— E eu também! — inclinei-me até seu ouvido — temos assuntos pendentes, Eva — emendei, vendo-a retesar, pousando uma mão na mesma orelha, ao passo que eu lhes lançava uma piscadela.
— Gael! — Aaron chamou minha atenção, do alto da escadaria — vamos homem!
— Que Yahweh me defenda! — respirei fundo e deixando Eva para trás segui o meu destino. Mal sabendo o que estava traçado para ele.
***
Atravessei o pátio externo da casa de Nabal, onde se encontravam os jardins, seguido pelos soldados de Davi. Respirei fundo novamente ao adentrar o salão central, onde se encontravam as enormes mesas de madeira maciça. As mesmas que sempre portavam banquetes fartos em toda época de tosquia. Alguns tosquiadores comiam e bebiam assentados à elas, até que avistei, sentado à cabeceira, Nabal. Ele levava uma taça de bronze à boca, e quando esta voltou à mesa ele me encarou com o rosto inexpressivo.
— Esperem aqui.— pedi à Samá e Joabe que me fitavam com expectativa. Os meus pés caminhavam incertos sobre as sandálias de couro, enquanto me aproximava do olhar sisudo de Nabal, que me acompanhava a todo momento. Me posicionei ao seu lado, encurvando-me um pouco para falar-lhe.
— Shalom senhor. — Cumprimentei-o, ao passo que ele me direcionava um olhar frio e uma sobrancelha erguida.
— Gael, tenho quase certeza que você não veio até aqui só para me cumprimentar — deu um sorriso de esgar, por um breve instante — diga logo quem são estes homens e escolha muito bem as suas palavras, pois odeio visitas inesperadas. — Engoli em seco ao notar o seu rosto nada amigável.
— Senhor. Eu sinto muito, mas estes homens estão o procurando para entregar uma mensagem. Dizem que é de suma importância.
— E da parte de quem é esta mensagem? Acaso Saul resolveu procurar-me, depois de morder boa parte dos meus ganhos com impostos altíssimos!? — surpreendi-me ao notar que Nabal pensara que estes eram soldados de Saul. E ao vê-lo questionar os impostos do rei, pensei que talvez houvesse esquecido de sua rixa com Davi, pelo fato de este ser o rival de Saul. Então, sem mais delongas, expus a verdade.
— Senhor, eles não vêm da parte de Saul e sim de Davi. — O rosto de Nabal foi de surpresa à um sorriso sádico em poucos instantes.
— Davi? — bufou, incrédulo.
— Sim, senhor.
— Davi tem uma mensagem? Para mim? —indagou, novamente cético.
— Sim, senhor — assenti.
— Pois, aproveite que estou de bom humor — tornou a pegar a taça sobre a mesa e ergueu-a — e chame-os para que deem logo o recado. Estou, de certa forma curioso — abafou uma risada, enquanto bebericava o vinho em sua taça. Fiz sinal para que os soldados se aproximassem e eles o fizeram. Enquanto caminhavam, percebi seus olhares passearem pelo salão e se deterem por um momento na mesa farta, onde Nabal se banqueteava. Dei um passo para trás, enquanto eles se posicionavam na lateral da mesa. Os olhos fixos em Nabal.
— O que estão esperando? — inquiriu Nabal, em tom sardônico. Samá deu um passo à frente e com um sorriso amigável, iniciou:
— Davi lhe manda saudações, senhor. Muita paz para o senhor e sua família! E muita prosperidade para tudo que é teu! — cumprimentou, Samá, com um leve curvar-se.
— Ora não seja evasivo. Diga logo o que querem. — Atalhou Nabal, impaciente. Samá olhou para Joabe que assentiu para que ele prosseguisse.
— Sabemos que o senhor está tosquiando suas ovelhas — Samá desviou o olhar para mim por um instante — Quando os teus pastores estavam conosco, nós não os maltratamos, e durante todo o tempo em que estiveram em Carmelo não se perdeu nada que fosse deles. Pergunte a eles, e eles lhe dirão — Samá comprimiu os lábios em um sorriso singelo em minha direção, o qual retribuí, e logo voltou seu olhar à Nabal — Por isso, Davi pede que nos receba amigavelmente, pois estamos vindo em época de festa. Por favor, dá a nós teus servos e a teu amigo Davi o que puderes. — Um silêncio sepulcral se instalou no salão, os tosquiadores fitavam espantados os soldados, que por sua vez esperavam a resposta de Nabal. Até que ele quebrou o silêncio com sua melhor risada sádica. Sua gargalhada perdurou por instantes intermináveis, enquanto os soldados se entreolhavam confusos. Nabal pousou uma mão à barriga e sorveu um gole de vinho, até que decidiu responder aos soldados, ainda portando um sorriso na face.
— Quem é Davi? — fingiu surpresa em tom de ironia.
— Davi Bar-Jessé, senhor — respondeu Samá, ingenuamente.
— Filho de Jessé? — estreitou os olhos, numa confusão disfarçada — nunca ouvi falar nele! — emitiu outra gargalhada ruidosa. O pequeno sorriso que ainda pairava nos lábios de Samá se apagou totalmente e deu lugar a um maxilar trincado, assim como as feições dos demais soldados e nesse momento eu temi. Nabal bebericou novamente sua bebida e voltou a falar — Hm, hoje em dia há muitos escravos que fogem de seus senhores, não? — ergueu uma sobrancelha e lançou as costas no espaldar da cadeira, fitando os soldados sem nenhum resquício da risada anterior.
— O meu pão, a minha água e os animais que matei para dar aos meus empregados eu não darei a homens que eu nem sei de onde vieram! — sentenciou, mordaz.
Os rostos dos soldados se fecharam, Joabe precisou conter seus irmãos, com ambos os braços estendidos ao redor. Naquele momento temi que um massacre ocorresse no salão de Nabal, no entanto, Samá apenas curvou levemente a cerviz em um aceno final e marchou para fora da casa de Nabal, seguido pelos demais soldados. Fitei Nabal, incrédulo, no entanto aquilo não me supreendera tanto, vindo do senhor daquelas terras.
***
— Aaron, espere! — chamei o soldado que caminhava logo atrás dos demais soldados, já na parte externa da casa de Nabal. Este, voltou alguns passos até mim, enquanto eu tentava articular algo. — Eu sinto muito, eu…
— Você tem ideia, Gael? Como é ter que perigrinar no deserto como bandidos, fugindo do exército do rei!? Há mulheres e crianças, Gael e não desce maná dos céus! E por isso, só por isso, nos humilhamos hoje para um senhor tão perverso quanto este! — apontou a casa de Nabal, bufando em ira pelas narinas.
— Eu sinto muito. Eu sabia que Nabal era louco, mas não tinha ideia que seria tanto!
— Tudo bem Gael, não é culpa sua. — retrucou, em tom mais brando — contudo, permaneça vigilante. Davi não deve receber tal resposta com bom ânimo. Esta afronta, não lhes passará despercebida.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Uma Jornada Pela Fé (Pausado)
RomanceO amor e a fé podem nascer em um coração vingativo? Lançado anteriormente como: "Uma Jornada Por Vingança". Sob o pano de fundo da história de Abigail, Davi e Nabal e em meio às tramas e conflitos do Antigo Testamento, emerge uma história de lealda...