Gael
Era certo que Davi não deixaria passar, eu bem sabia disso. Mesmo que eu tentasse pensar que ele poderia usar da mesma benevolência que tinha com Saul, enquanto via aqueles homens montarem seus cavalos ao longe, sentia um mal pressentimento. Era fato que Nabal não estava em seu juízo perfeito, ao insultar o líder de um exército de seiscentos homens. Eu precisava agir e foi isto que me fez caminhar de volta até a casa de Nabal.
— Senhor, preciso lhe falar! — voltei-me a ele em sua mesa, enquanto tentava manter a compostura, diante da minha exasperação.
— Hm…— estreitou os olhos, para tentar me enxergar. Estava visivelmente embriagado. — o que quer, Gael? Tem mais mensageiros mortos de fome? — zombou com voz arrastada — pois mande-os mendigar nas ruas de Belém, Hm? — emendou, num sorriso de escárnio, enquanto balançava o vinho de sua taça e abanava a mão livre em sinal de expulsão.
— A questão senhor, é que a mensagem que virá após esta, não será de alguém com fome de alimento — ele me direcionou um cenho franzido em confusão — Davi tem um exército de seiscentos homens famintos, o que acha que ele fará? — lancei, sem delongas. Senti-me um tolo, ao ver Nabal reagir como lhe era propício: uma risada sardônica e abafada lhe acometeu.
— Davi? Quem aquele pastorzinho de ovelhas pensa que é!? — atalhou, arrastando outra risada.
— Aquele ‘pastorzinho’ de ovelhas, senhor — iniciei, entredentes — é nada menos que o maior guerreiro de Israel, conhecido como matador de gigantes. — tentei ao máximo, manter a calma com Nabal, puxando todo o ar que pude em seguida. Ajeitei a túnica e me curvei para que me ouvisse, tentando ser discreto, quanto aos outros presentes no salão — O que o senhor tem para vencê-lo? Precisa fazer alguma coisa!
— E o que me sugere? — rebateu, erguendo uma sobrancelha.
— Eu não sei, mande chamá-los e volte atrás de sua decisão. Peça perdão…
— Perdão!? — bradou, Nabal, batendo a taça na mesa, numa mudança drástica de humor, que me fez sobressaltar — jamais me rebaixarei a um ninguém como ele! Eu sou Nabal! — socou a mesa e continuou espumando pela boca, com o rosto em chamas — descendente de Calebe, herdeiro de uma grande fortuna a qual multipliquei. Eu sou o dono destas terras, as quais Davi está pisando com aqueles pés imundos e ainda me exige comida?! Pois assim que esta festa acabar, mandarei mensageiros a Saul e denunciarei aquele impostor!
— O senhor não entende, a morte jaz à nossa porta!
— Fora daqui! — gritou, apontando a saída. A vós tão estridente, que fez todos que conversavam e riam pararem imediatamente para dar atenção. Sem saber o que fazer, obedeci, fazendo meus passos para fora de seu salão.
— Louco… — murmurei, enquanto dava as costas para Nabal — e se esta noite pedirem tua alma, o que tens preparado? Para quem será?
Ao sair de sua casa, mirei toda a imponência da fachada, pousando os olhos, em seguida, na janela da recâmara de senhora Abigail. Nesse momento, vi olhos negros e assustado fitando-me do alto, com seus cabelos de mesma cor, balançando pela brisa suave.
— Eva… — murmurei. Meu coração se apertou dentro de mim e senti que meu mundo estava prestes a ruir. Eu a amava. Amava muito, mais do que pensei que pudesse amar alguém. Não poderia nem sonhar em deixá-la, no meio de um possível cenário de guerra. Deveria fugir e levá-la comigo? Ou melhor levá-las? As três irmãs? Mas e as outras? A senhora Abigail, sempre fora tão bondosa, não podia deixá-la também.
Foi pensando nisso que adentrei a casa de Nabal novamente, acessando a parte oposta ao salão. Passei pelo corredor e subi as escadas, encontrando a porta de madeira escura, talhada a mão. A recâmara da senhora da casa.
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Uma Jornada Pela Fé (Pausado)
RomanceO amor e a fé podem nascer em um coração vingativo? Lançado anteriormente como: "Uma Jornada Por Vingança". Sob o pano de fundo da história de Abigail, Davi e Nabal e em meio às tramas e conflitos do Antigo Testamento, emerge uma história de lealda...