Capítulo oito

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Eva

- Eva! Eva, acorde!!! - ouvi uma voz grave, em tom de desespero, enquanto eu retomava a consciência. Desde a fatídica noite que perdi meus pais, desmaios haviam se tornado frequentes para mim. Bastava uma abelha pousar em meu ombro. Literalmente. O meu coração acelerava de forma descompassada, minhas mãos suavam e tremiam e minha boca formigava. Era aterrador. Tudo ficava escuro e eu não via mais nada. Mas eu conseguia ouvir. E eu ouvi Gael me chamar exasperado, como se eu tivesse morrido diante dele. Mas foi quando senti suas mãos em meus braços me balançarem freneticamente, que recobrei a consciência.

- O-o quê... o-o que aconteceu...- titubeei, pousando uma mão na testa. Abri os olhos e me deparei com os orbes verdes de Gael me perscrutando com preocupação. Ele estava de joelhos ao meu lado, completamente estarrecido.

- Você está bem?- perguntou, com a voz quase esganiçada, em aparente pânico - responda! - impacientou-se, sacolejando-me. Percebi que estava estendida sobre a grama e assentei-me, com a mão à cabeça, em total confusão. Não lembrava-me totalmente do que havia acontecido, só sabia que envolvia uma abelha atrevida.

- Aconteceu de novo...- sibilei.

- O quê?! O que aconteceu de novo?!

- É melhor eu ir - levantei-me, ainda um pouco tonta, enquanto tomava a cesta nas mãos, sob o olhar preocupado de Gael. Ele levantou-se, passando os dedos de ambas as mãos nos cabelos enquanto respirava fundo sem me encarar, pousando as mesmas mãos na cintura em seguida. Gestos estes que denotavam total aflição - não fique tão apavorado - disse a ele, atraindo sua atenção - acontece com frequência. Já estou acostumada - ele estreitou os olhos e abriu a boca para dizer algo, mas nenhum som emitiu.

- Shalom - despedi-me com um meio sorriso, totalmente envergonhada pelo ocorrido. Então, dei meia volta e desci a pequena colina em direção à casa de Nabal.

***

Naquela noite eu não conseguia dormir, revirava de um lado para o outro sobre o travesseiro. Não eram os pesadelos, nem eram as más lembranças. Na verdade as lembranças eram boas. Lembrava-me de Gael, estudando-me com os olhos que refletiam a grama verde sob mim, tão preocupados e aflitos, que chegavam a me causar ternura. O meu coração apertou-se no peito, ao constatar tal sentimento. "Debaixo daquela carranca, há um homem com sentimentos, afinal" pensei, enquanto sorria, mirando o teto do nosso quarto.

- O que foi? Viu passarinho verde, Eva? - ouvi Ruth sussurrar na cama ao lado, enquanto me olhava com brilho no olhar e um sorriso nos lábios - Por que está toda sorridente?

- Eu? Sorridente? - tentei dissuadí-la - está vendo coisas...

- Sei... inclusive, não é de hoje que estou observando que a senhorita está saindo de casa todas as manhãs, no mesmo horário. Está de namoricos, hein?

- Deixe de ser louca, Ruth! - atalhei, sentando-me na cama - a casa é grande demais, para saber se estou dentro ou fora.

- Mas você é espontânea demais, para eu não saber quando está mentindo - retorquiu, sorrindo.

- Arg! Eu vou pegar um copo d'água!

- Trás para mim também! - disse Ruth.

- E para mim também! - emitiu Laís na outra cama, atraindo nossos olhares sobressaltados - o que foi? não tem como dormir, com vocês fofocando desse jeito - sorriu, fazendo-nos espelhar o gesto que transformou-se em risadas abafadas.

Ao adentrar a cozinha, deparei-me com Keren olhando para o copo d'água em suas mãos, completamente inerte. Ela estava recostada na enorme mesa de madeira e nem notou minha aproximação. Enquanto chegava mais perto, pude ver que não era do copo sua atenção, mas sim do... nada. Ela olhava para o nada e expressão era de aflição, a julgar pelas sombrancelhas içadas e os lábios entreabertos.

Uma Jornada Pela Fé (Pausado)Onde histórias criam vida. Descubra agora