Eva
Esperei por dias, semanas, talvez meses. Até que a temporada de tosquia chegou sem avisar e de repente estávamos novamente em Carmelo, em um dos banquetes extravagantes de Nabal. Como de costume, as tarefas triplicaram, sobrando para mim algumas delas, inclusive não apropriadas à uma dama de companhia, mas que vinham muito a calhar, uma vez que eu odiava compartilhar o mesmo teto que o senhor Nabal.
Atravessei o campo coberto por uma grama verde e molhada, resultado das últimas chuvas da estação, carregando comigo um vaso de barro. Eu buscava o poço para enchê-lo de água, esta seria usada na cozinha que estava em euforia. Novilhos em grande quantidade estavam sendo preparados este ano e servidos aos tosquiadores de Nabal. Este, não escondia sua satisfação ao ver a produtividade em grande escala de seus negócios.
Em todo o caminho até o poço eu mirava as nuvens cinzentas que tapavam o sol, pensando no porquê. Por que, afinal, Yaweh permite que homens tão maus, quanto Nabal, prosperem como as árvores da primavera. Tal sentimento atenuava ainda mais minha sede por justiça.
Limpei o suor da testa com o dorso da mão e deixei o vaso ao pé do poço, o qual acabara de chegar. Depois de enrolar os cabelos para trás, tomei o recipiente que estava em cima do parapeito do poço, amarrado em uma corda e quando me preparava para lançá-lo ao poço, senti uma mão segurar meu pulso.
Assustei-me, levantando os olhos de imediato e surpreendi-me com os olhos de Gael sobre mim, tão acinzentados quanto as nuvens do céu. Os dedos dele no meu pulso queimavam tanto quanto seu olhar melancólico. Foi como ser levada de volta àquele estábulo, onde ele me prometera voltar.
Lembrei-me de ter passado cada dia e cada noite à espera de Gael. Sem dormir, sem comer, sem viver. Apenas esperei, do alvorecer ao crepúsculo. Por vezes observava uma silhueta se aproximar ao longe, da janela do quarto de minha senhora e ficava imaginando que poderia ser ele. Mas não era. Nunca era. Até que desisti de esperar e me dei conta de que estava vivendo uma irracionalidade, sonhando com um rapaz. Chegava a ser inapropriado. Todavia, o tempo da “não espera” fora absolutamente menor e cá estava eu, pousando novamente os meus olhos em Gael.
— Deixe-me ajudá-la — ouvir sua voz grave e consideravelmente baixa, fez-me estacar por um instante, enquanto ele tirava o recipiente de minhas mãos e o lançava no poço. Mas a paralisia logo passou, ao lembrar-me da mágoa inconscientemente guardada.
— Não, eu posso fazer isso. Obrigada.— puxei a corda com aspereza, mas ele não a soltou.
— Não seja teimosa, sabe que não tem força.— Eu bufei. Antes inconscientes, agora a mágoa e indignação eram latentes.
— Isso não é de sua responsabilidade. Deixe-me fazer o meu serviço e não me atrapalhe. — É incrível o que a determinação pode fazer com uma pessoa, pois os meus braços, outrora fracos, puxaram o balde de madeira cheio de água em tempo hábil, sob o olhar surpreso de Gael que mantinha um braço sobre o pequeno muro de tijolos, enquanto olhava de mim para a corda com suas sobrancelhas levantadas. Pousei o recipiente em cima do parapeito, fitando com satisfação seus olhos prateados.
— Parabéns! — achincalhou — mas isso não é bom para sua asma.
— Que asma?
— Esta que te faz ofegar, feito um burro no deserto — bufei, incrédula, tentando recobrar o ar que nem notei que havia me escapado.
— Como pode tripudiar, uma vez que me deixou esperando como uma árvore plantada, depois de ter prometido voltar!? — emiti, num sussurro gritado e ainda ofegante, enquanto via sua expressão transmutar-se para melancolia novamente.
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Uma Jornada Pela Fé (Pausado)
RomansaO amor e a fé podem nascer em um coração vingativo? Lançado anteriormente como: "Uma Jornada Por Vingança". Sob o pano de fundo da história de Abigail, Davi e Nabal e em meio às tramas e conflitos do Antigo Testamento, emerge uma história de lealda...