"Você não precisa de olhos claros, para ser bonita"
Eva
- Por que será que ele disse isso?- questionei a mim mesma, sorrindo debilmente, enquanto saltitava sobre a grama verde. Mirei a fachada da imponente casa de Nabal, percebendo o sol alto no céu, o que não era bom sinal, pois poderiam descobrir minha ausência. Contudo, os meus pensamentos estavam atordoados demais, para lembrar-me que era uma dama de companhia, que passara a manhã inteira fazendo companhia a outra pessoa, que não era nem de longe a minha senhora.
Ao chegar em casa, fiz meus passos até a cozinha, para guardar a cesta de comidas. Aquela cesta, cujo os juncos eu mesma havia trançado a mão, já estava me causando problemas. Haja visto os questionamentos de Sarah mais cedo. "Sarah..." pensei "com quem será que aquela víbora anda se encontrando?" foi quando ouvi passos atrás de mim e um odor de mirra, da mais nobre e cara, exalando no ar.
- Fui informado de que havia uma ratazana roubando a comida da cozinha...- meu sangue congelou no instante em que ouvi a voz grave e peculiar, cujo o dono, era ninguém menos que o senhor de toda aquela terra; De toda a casa; E até de mim. Girei devagar, não para fitá-lo, não poderia, mas de regra, os servos nunca deveriam dar as costas aos seus senhores.
- Meu Senhor... eu...
- Acalme-se criança. Eu aprecio a sua personalidade - exibiu seu conhecido sorriso sádico. Era bem conhecido por todos o temperamento ácido de Nabal, o qual levava tudo da forma mais sarcástica possível, antes de trucidar quem lhe aborrecesse - Eva...- emitiu num suspiro de escárnio.
- Se lembra do meu nome?- sobressaltei-me. Nabal tinha centenas de servos e nunca me chamou pelo nome. Era sempre "garota", ou "menina", ou até mesmo "serva".
- Mas é claro! Conheço perfeitamente as damas de companhia da minha esposa - aproximou-se, segurando uma mecha do meu cabelo entre o polegar e o indicador, o que me fez retesar por inteira - Sei quando dormem, quando acordam, o que comem, o que vestem...- céus, isso não é bom - sei por onde andam durante o dia... - emendou num sussurro, me encarando de forma indiscreta. Engoli em seco vendo seu olhar descer e subir sobre mim - mas como são as coisas - sorriu - há pouco tempo era apenas uma criança, olhe só para você - soltou a mecha abrindo os braços, enquanto me estudava - já é uma mulher! Uma mulher que sai todos os dias às escondidas. O que devo pensar de você, Eva de Queila?
- M-meu S-senhor, perdoe-me eu...
- Shhhhh- calou-me ao me ver titubear- não precisa dizer nada - meneou a cabeça em negativa e eu vi suas feições se endureceram, enquanto umedecia os lábios chegando perto do meu ouvido em seguida - Se eu souber... se eu ao menos sonhar que não é mais virgem, sabe o que acontecerá com você, não sabe? - arregalei os olhos, fitando-o estupefata, enquanto ele sorria com presunção. - Shalom... Eva - completou, por fim, lançando-me um último olhar doentio que me fez revirar o estômago. Ele girou nos calcanhares e se foi, ao passo que eu enfim consegui expirar o ar preso nos pulmões.
***
Demoraram alguns instantes para que eu pudesse me recompor daquele encontro odioso com Nabal. Sentia-me ultrajada com a sua audácia, sua indiscrição, a maneira nojenta em que me olhara. Assentei-me à mesa da cozinha, escondendo o rosto nas mãos de vergonha. De certa forma eu sabia que estava errada, não era de bom tom que eu me encontrasse às escondidas com Gael, por mais respeitoso que ele fosse. Se alguém descobrisse, poderiam surgir rumores sobre nós, sobretudo sobre a minha virtude. No entanto, aquela conversa de Nabal fora muito inapropriada. Quem era ele para questionar minha virtude? Eu era serva da senhora Abigail!
- Eva?- ouvi uma voz conhecida, fazendo-me saltar de meus devaneios. - o que faz aqui, Eva? - questionou-me Laís.
- E-eu... vim comer alguma coisa estava com fome.- Laís estreitou os olhos e cruzou os braços.
- Sabe que não consegue esconder nada de suas irmãs não sabe?
- O-o quê quer dizer?
- Que a estou achando muito cabisbaixa. Mas na verdade, eu estava mesmo à sua procura. Ruth acha que você está de namoricos com algum rapaz da fazenda.
- E-eu!?
- Sim, você - ergueu uma sobrancelha - você vem agora comigo. Precisamos conversar.
***
- Gael!? - indagou Ruth franzindo o cenho. Primeiro a estranha conversa de Nabal e agora as minhas duas irmãs inquiridoras. Eu já estava ficando atônita, então confessei de uma vez, depois delas me amofinarem, enquanto questionavam com quem eu estava me encontrando todas as manhãs. Definitivamente, eu não era nada boa em guardar segredos- quer dizer que ele estava treinando-a na espada?
- Sim, mas não é nada que vocês estão pensando - balancei uma mão, preocupada com seus olhares fulminantes.
- Sei...- assentou-se Ruth ao pé de sua cama, gesto este espelhado por mim e Laís.
- Eu o pedi para que ele me treinasse. E insisti muito, na verdade.
- Eu vou ter uma conversa muito séria com esse Gael- disse Ruth, empertigando-se.
- Calma Ruth, deixe-a contar.- interveio Laís, tomando minhas mãos nas suas por conseguinte - para que queria aprender espadas, Eva?
- Para matar os malditos filisteus que assassinaram nossos pais!- respondi com dentes cerrados e só de mencionar o assunto, senti as lágrimas arderem os olhos.
- Ah minha pequena - acolheu-me Laís em seus braços - tem guardado todo esse rancor sozinha e escondida? é tudo culpa minha. Eu não tenho lhe dado atenção...
- Não é culpa sua Laís - interrompeu Ruth - voltemos ao assunto "Gael"? De certo ele tem influenciado a menina.
- Não sou mais uma menina, Ruth - endireitei-me - e não, Gael não me influenciou em nada. Na verdade, desde que começamos ele tenta me dissuadir da ideia de me vingar. Mas eu estou decidida.
- Vingar, Eva!? - indagou, Laís - está alimentando sentimentos de vingança?- lançou-me o olhar preocupado.
- É justo que eles paguem, Laís!
- Mas não é você quem cuidará disso, Eva. É Deus- retrucou Laís.
- Deus poderá me usar para isso. Eu aceitarei de bom grado.
- Eu também passei por isso - pontuou, Ruth- Sentia uma forte sede de vingança, Eva. Mas depois isso passa. Quando vê que esse sentimento não te levará a lugar algum, você irá esquecê-lo.
- Eu jamais esquecerei!
- Precisará esquecer, pois mulheres como nós, nada podem fazer, além de tecer e tricotar.
- Eu discordo! - retruquei rapidamente.
- Vamos manter o foco - interrompeu Laís - a questão é que você e Gael não poderão mais se encontrar, Eva. Não fica de bom tom.
- Meninas...- sorri incrédula - é só o Gael..., sabem muito bem que ele não me vê da forma que vocês estão pensando.
- Tanto faz Eva. Ele é homem e pode mudar de ideia, ao ver a mulher linda que tem se tornado. - ponderei um pouco a observação de Laís, lembrando-me de que ele havia me lançado olhares estranhos ultimamente. Além da frase enigmática: "você não precisa ter olhos claros, para ser bonita", sorri ao me lembrar da frase, me esquecendo de que estava diante das minhas irmãs.
- Veja só Laís! Ela já está toda risonha, só de falar em Gael... mas aquele pastorzinho, eu vou ter uma conver...
- Ele gosta da Laís!- argui, mais rápido do que pensei, presenciando seus olhares estupefatos. Depois de ter sido exposta por minhas irmãs e do possível escarcéu que Ruth armaria interrogando Gael, preferi dizer, algo que na verdade, não seria de todo mentira. - a condição para que ele me ensinasse espada, foi exatamente que eu o ajudasse a conquistar Laís.- elucidei, olhando para os olhos arregalados de minhas irmãs. O alívio tomara conta de mim, por desfazer todo e qualquer mal entendido sobre mim e Gael, o que me deixaria em maus lençóis e colocaria um punhal no pescoço dele. Contudo, uma coisa era inexplicável: a dor pungente que começara a sentir no peito.
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Uma Jornada Pela Fé (Pausado)
RomansaO amor e a fé podem nascer em um coração vingativo? Lançado anteriormente como: "Uma Jornada Por Vingança". Sob o pano de fundo da história de Abigail, Davi e Nabal e em meio às tramas e conflitos do Antigo Testamento, emerge uma história de lealda...