Sozinha, assentada sobre a pequena escadaria da casa de Nabal, eu contemplava as tonalidades de um belo entardecer que já se faziam presentes na aurora. No entanto, tal coloração azul anil em nada me acalentava, pelo contrário, deixava-me ainda mais apreensiva. Uma brisa fria tocou minha pele, fazendo os pelos do meu braço se arrepiarem e eu esfreguei o local, sem tirar os olhos do horizonte, percebendo que não havia nada além de arbustos. Todas nós estávamos desoladas pela notícia de que poderíamos padecer naquele mesmo dia. O mal batia à nossa porta e o medo nos fazia reféns.
“Eu a amo, na verdade.”
Lembrava-me bem da última declaração de Gael naquele poço. Foi por causa dela que, desprendendo-me dos bons modos, atirei-me em seus braços, chorando por pensar que poderia ser a última vez que nos víamos.
Senti meu coração apertar no peito. Não havia retribuído sua declaração e talvez nunca poderia.
— Ah, Adonai! — murmurei num suspiro trêmulo e com voz embargada prossegui — sei que por muitos anos me abstive de falar contigo. Eu tenho ciência de quão desafortunada fui, não só porque, em um só dia perdi meus pais, mas porque abri mão de ter a Ti como pai. Mesmo sabendo que o senhor me espera todos os dias. Eu sinto que me espera. — as lágrimas jorravam de meus olhos, por saber que sim. Ele me esperava. — Mas eu o ignorei, deliberadamente o ignorei. O culpei, o odiei por ter permitido que tirassem tudo de mim. E hoje vejo o quão ignorante fui, ao não dar valor ao que tenho. Hoje, justamente hoje, quando estou prestes a perder tudo o que nem mesmo percebia que tinha. Eu ainda tenho minhas irmãs e fui presenteada com um amigo tão leal e uma senhora amorosa. Perdoe-me por não ter percebido isso antes. Agora, Adonai, permita que eu possa ter tempo para recomeçar. Permita-me desfrutar do teu amor. Permita-me ainda ter a graça de atrair o Teu olhar e a Tua bondade, oh Elohim. O único Deus, que criou o céus, a terra e com suas mãos me formou e assoprou em mim o fôlego de vida. Amém.
— Amém — Senti um tecido quente e aconchegante ser colocado sobre os meus ombros e percebi que era Laís que sentava ao meu lado — Vai ficar tudo bem, Eva. — Acalentou-me, enxugando meu rosto com os polegares. Recostei minha cabeça em seu ombro, sentindo-me aconchegada em seus braços.
— Como você conseguiu, Laís? Digo, perdoar, seguir em frente. — Ela hesitou um instante antes de responder.
— Você se lembra dos ensinamentos do Aba?
— Sim.
— Lembra do amor que ele demonstrava em suas palavras, ao contar as histórias de nosso povo e nosso Deus?
— Lembro-me que o papai era o próprio amor.
— Ele era o próprio amor, porque ele andava com Yahweh. Porque os dois eram um só. Nossos pais se foram, mas deixaram uma herança muito maior do que a que nos foi tomada e esta não nos pode ser tirada. A não ser que nós mesmas abramos mão.
— E qual seria?
— A fé.— Ouví-la dizer tais palavras, parecia fazer ruir todo o muro que construí ao longo daqueles anos. — A nossa fé, Eva, é mais poderosa do que a morte, ou a dor. Ela nunca nos será tirada, mesmo que tirem nossas próprias vidas.
— Mas não é justo, Laís. A violência de nossos inimigos…Tiraram tudo de nós.— Ela afagou uma vez mais o meu braço.
— E você tem direito a indignar-se com eles. Não com Yahweh que te ama. Se confia no amor de Yahweh, confie que Ele cuidará de você e que Seus propósitos na sua vida serão cumpridos.
— Os propósitos na vida de nossos pais foram cumpridos, Laís? — endireitei-me para olhar em seus olhos verdes. Ela sorriu para mim, seu sorriso carregava a paz mais doce, qual eu gostaria de conhecer.
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Uma Jornada Pela Fé (Pausado)
RomanceO amor e a fé podem nascer em um coração vingativo? Lançado anteriormente como: "Uma Jornada Por Vingança". Sob o pano de fundo da história de Abigail, Davi e Nabal e em meio às tramas e conflitos do Antigo Testamento, emerge uma história de lealda...