Capítulo 1

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Flor


Oito anos após o nascimento de Florian...


— Florian, suba para se trocar.

— Sim, papi — respondo e ignoro o jeito como ele me olha confuso.

Hoje acordei como eu mesma. Como se eu estivesse adormecida e outro usurpando meu corpo por anos. Isso sempre acontece. Acordei e descobri que meu pai decidiu que um terapeuta ajudaria. Essa semana ele vai me levar. Espero ainda estar acordada. Tenho muita curiosidade sobre meu corpo, minha mente, tudo que envolve essas mudanças, esses momentos adormecida.

Começo a subir as escadas treinando meus passos para deixá-los mais suaves. Graciosa como uma bailarina. Vou ficar bem melhor depois que tirar essa roupa horrorosa. Detesto preto. Tantas cores no arco-íris, por que usaria tal abominação?

— Pai, Florian enlouqueceu! — Viro para trás e mostro a língua para Felipe que diz isso.

— Se ele vestir aquilo eu não vou. — Henry, idiota de sempre, faz birra.

Paro de prestar atenção e termino de subir as escadas em direção ao meu quarto. Estou ansiosa para vestir minha roupa nova.

Hoje é o aniversário de morte da mamãe. Desde que ela morreu, nós usamos ternos e visitamos seu lugar favorito; o restaurante onde ela passou sua infância. Mas hoje vai ser diferente porque eu estou aqui, não ele, não aquele responsável pelo meu adormecer.

Passo algum tempo me olhando no espelho depois de tomar banho e me vestir, ajeito a gravata.

— Vamos, Florian! Estamos atrasados. — Através do reflexo do espelho, vejo Felipe entrando com o terno preto sem graça que ele comprou.

Reviro os olhos, enquanto penso que preciso de um gloss. Meus lábios estão ressecados.

— Não me chame de Florian. Meu nome é Flor — digo.

Estou cansada de ser chamada de Florian. Pensei bem e Flor combina mais comigo.

— Mas que porra é essa?

Abro a boca pra mandar ele para um lugar bem feio, mas nosso pai chega nessa hora e diz nervoso:

— Ei, Felipe! Já disse para não falar assim. Nada de palavras chulas nessa casa.

— Desculpa, pai. Essa Barbie me assustou.

Ele aponta para mim e meu pai parece finalmente me ver. Ele chega a se assustar.

Reviro os olhos para a imagem dos dois no espelho. Depois sorrio. Realmente estou parecida com a famosa boneca com meu terno cor de rosa.

— Estou pronta — digo.

— Pronta? — Meu pai pergunta.

— Foi o que eu disse — respondo.

— Pai... — Felipe começa, mas é interrompido.

— Desça e me espere com seus irmãos, Felipe.

Resmungando, o chato do meu irmão sai.

Me viro para o meu pai.

— Entendo esse olhar — digo caminhando até a cama e me sentando calmamente e elegante.

— Que olhar?

— Como se nunca tivesse me visto antes. Eu também me vejo assim toda vez que abro os olhos.

Ele fica em silêncio e senta ao meu lado. Só depois diz:

— Filho, você tem algo a me dizer sobre a sua sexualidade? Pode se abrir comigo. O apoiarei sempre.

Sorrio. Ele é um bom pai. Florian tem sorte. Temos sorte.

— Eu sou mulher e quero que me chamem de Flor. Vai me jogar na rua agora? — o desafio.

— Claro que não, filho. Vamos conversar sobre isso quando voltarmos do jantar. Pode sempre se abrir comigo.

— Florian tem sorte de ter você como pai... Ele e eu.

Meu pai apenas suspira e me abraça. É uma situação complicada, eu sei.

— Posso ir com essa roupa? — pergunto assim que me afasto. Ele é tão bom comigo que é impossível ser rebelde, mesmo que eu tente.

Ele sorri.

— Até que ficou bem em você. — Levanta, ajeitando a gravata. — Pronta, Flor?

Adorei que me chamou de Flor.

Sorrindo, me levanto e sigo com ele.

Logo estamos no jantar em homenagem a nossa mãe. Os idiotas dos meus irmãos nem tem tempo de zoar minha roupa. Papai os faz se comportarem. Ele é show.

E esses tolos devem aceitar que o Florian está dormindo agora. Quem manda aqui é a Flor, e as coisas vão ficar bem mais coloridas e divertidas.






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