Capítulo 9

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BRANCA


— Sobre minha visita... — Ela levanta as duas sacolas em suas mãos, sorrindo. — Trouxe roupas pra você. Vamos ter uma festa em breve.

Sua animação me deixaria até animada por uma festa, se eu não a conhecesse. Ela não veio aqui me presentear. Cristal jamais faria isso.

Ela coloca as sacolas sobre o balcão e começa a abrir em empolgação exagerada.

— Vamos olhar isso no quarto — sugiro.

Quero me afastar de Florian antes que ela diga algo que me envergonhe.

— Bobagem! Só vou te mostrar. Depois você experimenta com calma. Aposto que vai servir. Sei seu número direitinho. Temos medidas parecidas.

Suspiro.

— Tudo bem.

— Olha esse. — Ela levanta um vestido marrom horrível. É longo, de corte quadrado, sem decote e com mangas médias. É tão feio. Sua cor me lembra roupa velha. — Lindo, não é? Combina com seu tom de pele pálido. — Ela pega a outra sacola e tira de dentro outro vestido. É igual o primeiro, só que branco. — Esse é a sua cara. Branco combina com a eternamente virgem Branca. — Ela ri com deboche. Agora sim, essa é a Cristal que conheço.

— São bonitos — minto, engolindo a raiva. Sei que ela consegue tudo que quer do meu pai e se causar uma cena posso acabar presa em um quarto, não em uma casa.

— Pois é. Uma pena que não terá ninguém para tirar no fim da festa. — Faz um falso tom de tristeza. Vaca!

— Todos tem medo do papai. — Dou de ombros, fingindo que essa merda de vida não me deixa cada dia mais infeliz.

— E de mim. — Seu sorriso some, mostrando seu olhar cruel. — Você sabe, não é, querida? Sabe que nunca vai ser amada porque ousou ser mais bonita do que eu.

Não falo nada. Ela nunca consegue se manter no papel. Me odeia pela minha aparência. E eu nem me acho tão linda assim.

Cristal é linda. É loira, de rosto bem desenhado, pele dourada como a minha nunca conseguiria... Só tem um defeito: não aceita ninguém mais ser elogiada, chamada de bonita. Se acontecer na sua frente a pessoa pode se considerar na mira da megera.

Não respondo. Suspiro cansada de tudo isso.

— É bom ficar calada mesmo. Fica na sua. Ou posso dar um jeito nesse seu cabelinho igual no passado. Lembra? Você ficou uma gracinha careca.

Sim, eu me lembro de ter chorado porque ela raspou minha cabeça depois de ter mentido que estava cheio de piolhos. Suas amigas ridículas me seguraram na cadeira e ela fez questão de raspar com as próprias mãos. Isso foi há dois anos.

Meu pai não estava em casa, mas quando chegou ele deu razão a ela. Disse que eu já era adulta para ter piolho e que cabelo crescia rápido.

Eu o odiei tanto. Até tentei fugir, mas ninguém sai do morro sem permissão.

Fico ouvindo a risada dessa mulher enquanto penso o quanto estou parecendo ridícula para o homem escondido atrás daquela porta.

— Agora tenho mesmo que ir, querida. — Ela olha o relógio de ouro no pulso. — Seu pai está me esperando. Eu falei com ele que viria te ver...

— Obrigada pelos vestidos. — Começo a andar para ela sair de uma vez daqui.

— Ah, já ia me esquecendo. — Ela para antes de sair da cozinha. — É possível que você não morra virgem. Dei a ideia de juntar o poder do Morro da Morte com o Morro do Neco, e seu pai concordou. Assim ele casaria você com o Neco. É o seu tipo, não é? Linda barriga saliente de cerveja, pauzinho pra não doer na boceta intocada, muitos dentes de ouro... Deus, que inveja de você — enumera debochando.

— Some daqui, Marlene! — digo seu nome de propósito porque sei que ela odeia. Gosta de ser chamada de Cristal. Minha voz sai baixa, destilando minha raiva.

— O que disse, pirralha? — se aproxima em ameaça.

Acabei de ultrapassar o limite. E não tenho intenção de recuar. Mesmo sabendo que vou me ferrar com isso.

— Disse para sumir daqui. Não vou usar a porra do seu vestido e nem irei nessa festa. — Ela começa a abrir a boca, mas não deixo que fale. — Você pode ter o imbecil do meu pai nas mãos. Mas suas ameaças e truques acabam aqui e agora.

— Ah é? — rebate.

— Sim. Porque a próxima vez que fizer algo contra mim, por mais leve que seja, é bom nunca aparecer na minha frente sozinha.

— Ou?

— Eu vou deformar a sua cara que você tanto ama. Nenhuma plástica vai te salvar. Você vai assustar as pessoas na rua.

Ela tenta rir com deboche, mas sei que está com medo. Vejo em seus olhos. Nunca a desafiei assim. Ela não precisa saber que por dentro estou tremendo e que nunca briguei na vida. Sequer sei dar um soco.

— Mal agradecida. É isso que é. Vai se preparando pra morar na casa do seu marido barrigudo e ter vários filhinhos catarrentos. — Ri. — Vou adorar ver sua cara deformada por apanhar de homem.

Ela sai rebolando.

— Veremos! — grito nervosa.

Poucos instantes após ela sair, ainda estou no mesmo lugar e escuto a voz dele.

— Branca... Tudo bem?

— O show acabou. — Saio sem dizer mais nada e subo as escadas me trancando no quarto.

Humilhação tem limite e já atingi o meu por hoje.

Branca de Neve do Mafioso - Contos da Máfia IV - Completo até 01/07/2024Onde histórias criam vida. Descubra agora