CAÇADOR
Foi fácil sair da clínica. O difícil é decidir para onde quero ir. São tantas opções. E a porra de um calor infernal.
Maldita cidade flamejante!
Talvez eu saia desse lugar. Rio de Janeiro acaba com meu estilo. Não economizam no calor.
Estaciono próximo a uma praia, jogo minha jaqueta e os fones no carro roubado e saio. Pelo jeito não vou precisar dela. E o celular já era. Não podia sair com o celular de alguém da clínica ou posso ser rastreado, joguei pela janela na primeira oportunidade. Tinha som no carro mesmo.
Ando pelo calçadão recebendo várias olhadas de gostosas bronzeadas. É hoje que esse corpo perde a virgindade. Pois é, acreditem ou não nenhum de nós nunca conseguiu transar. O paspalho do Florian tem medo de procriar, e nos atrapalha. Tem medo de nascer um menino maluquinho. Parece que nunca ouviu falar em preservativo.
Só vai ser difícil conseguir uma gata que traga no combo o local da foda, afinal não tenho dinheiro. E usar os cartões vai fazer os Seven me encontrar rápido demais.
Pensa, cara. Você é a porra de um caçador, então faça alguma coisa.
Tiro o sapato e caminho até o mar, sem olhar para ninguém ao meu redor.
Sento na areia e deixo o barulho das ondas me indicar o que fazer. Esse som é tão libertador.
Cansada destas pessoas falando, cansada do barulho
Cansada de todas as câmeras piscando, de manter a pose
E agora meu pescoço está exposto
Implorando por um punho à sua volta
Me levanto rápido ao ouvir uma voz feminina cantando melodiosamente, como se sentisse dor e realmente vivesse aquilo. Eu sei reconhecer dor.
Já estou me engasgando em meu orgulho
Então não há por que chorar por isto
Ela continua cantando, mas não consigo identificar de onde o som vem, pois a porra da minha cabeça de repente dói ao ponto de mal conseguir abrir os olhos. E mesmo abertos só enxergo uma tela em branco. Que porra!
— Agora não, Florian. Continua dormindo — resmungo caindo de joelhos na areia.
Não sei como, mas sei que é ele.
Ele nunca forçou acordar assim.
Merda, sei que vai juntar curiosos ao meu redor por isso. Estou fazendo uma cena ridícula que vai me fazer ser pego.
Estou caminhando em direção ao castelo
Eles querem me fazer sua rainha
E há um velho homem sentado no trono
Dizendo que eu provavelmente não deveria ser tão má
A voz está se aproximando, quando ela para de cantar. A última coisa que escuto é "você está bem?".
Apago.
FLORIAN
Eu vi um anjo. O mais belo de todos os anjos. Pele clara como neve, emoldurada por cabelos negros como o ébano e a boca mais vermelha que já vi. Como uma maçã pronta para ser mordida. Eu a vi e depois apaguei.
Acordo escutando vozes femininas um pouco exaltadas.
— Você não devia ter trago ele pro morro. Tá maluca! Seu pai vai te matar e me matar de tabela. E eu não posso morrer assim, mataria o meu irmão de desgosto.
— Matar... matar... Esquece essa palavra, Maria. Ninguém vai te fazer mal aqui. Todos sabem que o João colocaria o morro abaixo.
— Esse ninguém não inclui o Jafar.
— Então vai embora e finja que não sabe de nada. — Gosto da voz dela. É a voz de um anjo.
— Amiga...
— É melhor assim, Maria. Você sabe que eu sou teimosa, por isso me ajudou a trazer ele quando deveríamos levar para o hospital. Por isso somos amigas, porque somos duas teimosas.
— Você é uma mula. Mas é uma mula amada. — Ouço um suspiro. — Eu tenho que ir mesmo. A Úrsula está me esperando para me levar na festa. Cuidado com o gostosão ai. Ele vai acordar e pode ser perigoso.
— E você cuidado com a Úrsula. Sabe o trabalho dela. Não vá se machucar.
— Não há mais nada para quebrar aqui, minha amiga. Fizeram isso muito bem.
— Maria...
Ouço meu anjo suspirar pesado. Espera, ela não é meu anjo. Não posso ter esse tipo de pensamento.
— Você só tem dezessete anos, ainda pode ser feliz. — Ela continua.
A outra não responde nada. Chego a imaginar ela negando com a cabeça. O que será que essa garota passou? Parece doloroso.
Ouço barulho de saltos e uma porta se fechando.
Só nesse momento abro os olhos e acostumo a visão, encontrando o anjo de costas. Seu corpo delicado em um jeans azul e uma blusa amarela. Seu cabelo liso e negro amarrado com uma fita vermelha.
— Onde estou? — pergunto, fingindo que não ouvi nada.
Ela se vira sorrindo. Tão linda que parece brilhar.
— Você acordou! Como se sente? — se aproxima, mas para em uma distância "segura".
— Acho que bem. — Me sento no sofá onde me colocaram.
— Você me deu um susto. Desmaiando na praia.
— Acho que é o sol. Estava escaldante. — A encaro. — Então, ouvi que estou no morro. É isso mesmo? — acabo confessando.
— Sim. Eu e minha amiga te trouxemos para cá.
— É melhor eu ir. — Me levanto, mesmo sem querer sair de perto desse anjo.
— Por que? — ela percebe que falou rápido demais e se corrige. — Você pode não estar bem.
— Eu não posso estar aqui. Eu sou um Seven.
Ela arregala os olhos, como eu sabia que faria. Se eu entendi bem a conversa, ela é filha de Jafar, seu pai não é fã da minha família, para dizer o mínimo.
O anjo fica me olhando sem dizer nada. Sinto como se uma força me quisesse nesse lugar, com ela.
Começo a pensar ser uma boa ideia ficar aqui. Seja lá o que isso signifique e o caos que trará.
Egoísta? Talvez.
Pela primeira vezquero ser egoísta.
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Branca de Neve do Mafioso - Contos da Máfia IV - Completo até 01/07/2024
RomanceFlorian Seven não espera ter uma vida comum, com esposa e filhos. Essa possibilidade o apavora. Não por fazer parte de uma família de mafiosos, mas por ter momentos em que não controla o próprio corpo. Desde muito cedo ele foi vigiado e passou anos...