De manhã, um bilhete carinhoso deixado dentro da bolsa dela junto com seu chocolate favorito.
Na hora do almoço, Stenio fez o possível e o impossível para almoçar com ela.
- Diz que eu tô.. - Ela virou a cadeira na direção de Yone. - Ocupada.
Ele estava ali dentro. E ela evidentemente estava com o horário vago.
Stenio pressionou os olhos na direção dela e cruzou os braços, suspeito.- Você tem uma hora e meia de almoço, delegada. Não me faça te arrastar pro restaurante. Os policiais aqui provavelmente me prenderiam por desacato a autoridade, mas eu não to nem ai. - Stenio avisou, decidido.
Helô trocou um olhar com Yone.
Tinham combinado de não deixar Stenio contatá-la nem sequer chegar perto de seu escritório. Mas o advogado tinha seu jeito de encantar e serpentear por qualquer lugar com facilidade.Ela suspirou e se levantou pegando a bolsa.
Colocou os óculos de sol e simplesmente saiu da delegacia enquanto ele a acompanhava praticamente escoltando até que chegassem no restaurante favorito dela que ficava na mesma rua, virando a esquerda.Quando se sentaram, Helô tentou disfarçar o olhar olhando ao redor e não trocou uma palavra com ele.
- Ei. - Stenio pegou as mãos dela por cima da mesa. Podia ver como estava agitada. - Que foi? Problemas no trabalho? Tá tudo bem com a gente?
Heloísa suspirou.
- Eu sei que você tá tentando me agradar e me fazer sentir amada mas acho que eu tô me sentindo sufocada. - Cuspiu as palavras de uma vez.
Stenio se afastou, quase como se as palavras fossem um murro em sua boca. Ele automaticamente soltou as mãos dela, e não sabia bem como agir nem o que falar.
- Você.. Quer almoçar sozinha? - Perguntou completamente afetado com a sinceridade dela.
- Não, tudo bem. Já estamos aqui. - Ela deu de ombros.
- Tem alguma coisa te incomodando? - Ele a encarava com a feição de alguém que tentava solucionar o maior mistério do mundo.
- Não sei, você tem alguma coisa pra me contar? - Heloisa jogou verde, inclinando o corpo na direção dele.
Foram atrapalhados pelo garçom, e Stenio se encarregou de fazer os pedidos.
- No dela se você puder evitar colocar a trufa, ela prefere. E o vinho.. Cabernet é o favorito da Helô. Vai cair muito bem com o menu. É só isso, obrigado.
Heloísa ficou observando a interação com o garçom. O quanto ele a conhecia. Suas ações e suas falas não combinavam e ela não sabia muito bem em qual das duas coisas confiar. Gostaria muito de acreditar nas palavras. Ele era tão bom com elas. Mas se não significassem muita coisa, então o coração da delegada estaria em perigo e ela sabia fazer melhor do que sair com o coração esburacado dessa situação.
- Precisamos conversar se algo estiver te incomodando. - Stenio pediu.
Heloísa respirou fundo.
- Você estava falando com ela enquanto tentava se aproximar de mim.. Fisicamente. - Ela disse, discreta, olhando para as pessoas ao redor.
- E?
- Achei que com o nosso combinado de não trabalhar mais com ela você tivesse entendido que eu não quero que vocês tenham contato. - Heloísa foi sincera. - Não vou ter estômago pra te ver ser amigo dela, essa é a realidade.
Stenio tirou o celular do bolso revirando os olhos. Colocou a senha, coisa que não precisava. Era o aniversário dela e também seu rosto estava cadastrado ali. Abriu a conversa e deu o celular na mão dela para ela ler.
Heloísa colocou os óculos e leu enquanto o garçom colocava a mesa.
Leu o que parecia uma tentativa de discussão de relação da parte dela, com um ponto final decisivo dele. Ela tentava convencê-lo e Stenio só falava o profissional, o básico, cortando o assunto. Haviam certas coisas que já tinham conversado e alinhado e precisavam repassar mesmo que fossem seguir caminhos destintos.
Heloísa sentiu seu corpo relaxar ao ver que no fim da conversa ele havia se despedido e bloqueado o contato.
Entregou o celular na mão dele mas Stenio estava ocupado demais comendo seu prato tranquilamente enquanto desfrutava do vinho.
Ela acabou deixando o celular do lado dele, na mesa. Stenio limpou a boca com o guardanapo.
- Então..? - Ele a cutucou.
Helô suspirou.
- Eu me sinto uma maluca tóxica e abusiva. - Confessou, rindo fraco.
Stenio a acompanhou na risada.
- Você é. Completamente maluca! - Ele embarcou na dela sussurrando, e levou um tapa no ombro. - Falando sério agora. Faz sentido não manter contato, até porque não preciso. Você não manteve contato com o tal do seu carinha, né?
Heloísa ria porque ele sempre acaba enciumado também.
- Obrigada por entender.
- Obrigado por não ter pedido o divórcio ainda. - Stenio pegou a mão dela por cima da mesa rindo.
Ela observou a risadinha dele toda sem graça, a veia saltando na testa. Estava completamente nervoso mas sua prioridade era acalmá-la, confortá-la. E isso ele sabia fazer muito bem.
Dividiram um pétit gateau para sobremesa e Heloísa observou enquanto ele deixava as colheradas mais apetitosas para ela, dando de comer direto em sua boca. Trocavam olhares intensos e ao fim, quando a boca dela estava suja de chocolate, trocaram uns beijinhos. Ela estava em outro humor, completamente diferente.
- Vou te deixar em paz pelo resto do dia. - Stenio caminhou com ela até a delegacia, com as mãos no bolso da calça. Respirou fundo. Isso era difícil para ele também.
- Me busca às nove? - Ela perguntou casualmente segurando a alça da bolsa com as duas mãos na frente do corpo.
- Eu.. Sim, claro. - Stenio concordou balbuciando.
- Ótimo. Te encontro aqui no estacionamento às nove. - Ela se aproximou para dar um selinho nele e logo entrou na delegacia.
Stenio ficou observando enquanto a mulher se afastava sem entender muito bem até que ponto estava ganhando e até que ponto estava perdendo. Passou a mão pela barba por fazer enquanto ela caminhava. A visão dela de costas era.. Intensa.
Como ele sentia falta dela por inteiro!
Tratou de ir para o escritório e desenrolar o trabalho com outras pessoas agora. O projeto seguiu conforme o necessário, e ele não precisou mais falar no nome de Juliana nem ouvir. Muito menos ver. Às oito e quarenta e cinco já estava no pátio da delegacia esperando pela mulher, encostado no porta malas de braços cruzados.
Quando Heloísa saiu da delegacia conversava com uns colegas enquanto tirava o crachá. Seus olhos percorreram o estacionamento e pousaram naquele homem grisalho e exausto depois de um dia cansativo de trabalho. Já estava sem blazer, os botões da camisa abertos, as mangas arregaçadas. Mesmo assim, abriu um sorriso de orelha a orelha quando a viu.
- Boa noite, gente. - Ela se apressou sem beijar ou cumprimentar ninguém, seguindo em passos calmos na direção de Stenio.
Mas na verdade queria correr como uma adolescente.
