1. Tiradentes - Texto Vencedor 🏆

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Deitada em um mar de preocupações que a fazia se revirar na cama por minutos intermináveis, até se aborrecer, sua idade não condizia com a quantidade de problemas que a cercavam, como demônios que arrancavam seu sono sem nenhum pudor. Ela bufou mais uma vez. A cama era confortável, o edredom macio, e mesmo com os três travesseiros que a circulavam, não achava posição para dormir. Em um ataque de raiva, esperneou e se sentou, procurando o celular perdido por baixo das camadas de cobertores. Ela precisava saber quantas horas de tortura ainda faltariam naquela madrugada. Para sua sorte, e azar, já se passava da metade da madrugada e ela sequer havia fechado seus olhos por mais de dez segundos. Aborrecida e sem saber o que fazer, enfiou a cabeça no travesseiro e deu um grito abafado.

- Dorme, dorme só um pouco! Por favor! - Ela dizia para si mesmo, com a voz abafada no travesseiro.

Um susto, uma voz sussurrou em seu ouvido.

- Respira fundo. - A voz masculina calma, disse em seu ouvido e a apertou contra o travesseiro, segurando pela nuca com força, curvada sobre suas próprias pernas.

Ela gritava abafada pelo travesseiro, sua posição não permitia muitos movimentos. Com os braços esticados, ao seu redor, ela não sentia nada, fisicamente não havia ninguém.

- Vamos passear. - A voz dizia intercalando rapidamente entre seus ouvidos, ela conseguia sentir sua respiração mexer os cabelos.

E depois de instantes tentando encher os pulmões, seu corpo se entregou, caindo de lado.

Apavorada, ela respirava de forma ofegante, era bom sentir o ar fresco. Havia muitas folhas no chão, algumas se emaranhavam em seus cabelos quando se sentou, era mais escuro que seu quarto e assustadoramente silencioso.

Uma floresta tão densa que a luz da lua não tocava o chão coberto por folhas. O vento podia trazer até a força de uma tempestade; todas as folhas se batiam e nenhum ruído era emitido. O silêncio era tanto que nem as folhas secas que cobriam o chão faziam barulho quando pisoteadas. A copa das árvores era contornada; quando olhava para o céu, elas conseguiam ser mais escuras que aquela noite sem lua. De pé, nua, ela girava ao redor de si mesma, pisando as folhas silenciosas, escutando tão somente seus batimentos cardíacos acelerados. Um ponto distante e brilhante chamou atenção.

Era uma escada feita completamente de vidro, dentro dela haviam milhares de pequenas estrelas de tons dourados, esverdeadas e algumas avermelhadas, que pareciam ter caído do céu naquela noite nublada. Ela brilhava tão forte em meio a escuridão, que por momentos ofuscava a sua visão. Estreita o suficiente para que somente uma pessoa subisse, sem corrimão. Os degraus levavam-na a escuridão da copa das árvores mais altas, que mesmo tão brilhosa não conseguia iluminar o fim.

Tomada por coragem, pisou no primeiro degrau. O vidro era tão forte quanto aço e nenhum som foi feito. Ela olhava ao seu redor, tudo era escuro demais, seus batimentos eram tão altos que atrapalhavam seus pensamentos, sem respirar, com medo de cair, subiu degrau por degrau até quase encontrar a escuridão. Ela não tinha mais coragem de olhar para baixo e ao pisar nesse último degrau, de olhos fechados, ouviu uma multidão gritando, imediatamente abriu seus olhos.

Muitas pessoas, estranhas, gritavam ao seu redor eufóricas. Rapidamente ela verifica se estava vestida e percebe uma roupa completamente diferente de qualquer uma encontrada em lojas, aquelas vestes pareciam ser do século passado. À frente, um palco feito de tábuas de madeira e no centro um pilar de madeira grosso muito alto onde estava fixo outra viga, menor, com uma corda grossa branca. Algumas pessoas empurravam ela, uns passos para frente em meio a multidão ela viu um homem com a corda no pescoço, em cima de pequenos degraus, prestes a ser empurrado.

Assustada, sem pensar, em querer ver tal homem ser morto lentamente, ela fechou seus olhos e deu um grito, um grito tão alto que parte da euforia da multidão concentrou sua atenção nela.

- Defensora de bandido! - Um homem mais alto gritou ao seu lado, a empurrando.

Alguém a empurrou novamente, e outra pessoa a empurrou para frente, a fazendo cair de joelhos em frente ao palco, agora, até o homem a ser enforcado a olhava.

- Você! - Um homem velho, vestindo um vestido marrom longo gritou apontando o dedo a ela que ainda estava no chão. - Ou você mata ele ou terá a mesma pena!

A multidão gritava comemorando as ordens do homem que desistiu de empurrar o outro. Dois homens a colocaram de pé e entregaram uma faca em sua mão. Empurrada pelos homens, subiu os três degraus.

- Mata! Mata! - Havia centenas de pessoas em sua frente que gritavam em coro.

O homem a ser enforcado não a olhava nos olhos.

- Ou mata Tiradentes ou você terá a mesma pena! - Aquele homem velho de vestido marrom disse em seu ouvido dando uma risada.

Atrás dela, alguns homens negros empurravam vigas de madeiras de madeira, de modo que ficassem em pé. Ela havia entendido que preparavam para, também, sua morte.

Ela larga a faca e em uma tentativa falha de fuga, corre para trás do palco quando é segurada por um dos homens que haviam trazido ela até ali. Ele a abraçava por trás, segurando seus pulsos, a levantando do chão. Esperneando ela foi colocada ao lado do homem a ser enforcado, e ali já havia outra corda, que tentavam sem sucesso, por em seu pescoço. Ela se debatia deitada no piso, chutava e mordia quem tentasse pegar em seu corpo, mais homens se aproximam tentando a segurar e ela fecha seus olhos com força.

Tudo se silencia.

Ela estava de novo no penúltimo degrau da escada brilhante. Suas mãos tremiam, em seu rosto diversas lágrimas escorriam, ela ainda conseguia sentir a pressão das mãos segurando seus membros. Seus batimentos eram tão altos diante daquele silêncio quanto o grito da multidão.

- Desculpa. - Aquela voz masculina calma sussurrou em seu ouvido, passando uma unha afiada na sua nuca.

Ali não havia ninguém, ela rodava, girando ao seu redor. Seu pescoço ardia.

- Eu quase nunca erro. - A voz volta a dizer do outro lado, tão próximo que sentiu sua respiração adentrar em seu ouvido.

Mais uma vez ela se vira, tentando espantar o que fosse que estivesse perto, seu pé pisa em falso e ela cai em sua cama, assustada, de lado, com o travesseiro sobre suas pernas. Um respiro aliviada, com as duas mãos sobre o rosto ela se acalma.

- Até mais... - A voz diz lambendo a ponta da sua orelha.

AUTORA: Andressa Hillesheim

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