7 - ACORDANDO

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A Vila do Chaves sempre foi um lugar de alegria e simplicidade, onde os problemas mais complicados eram resolvidos com uma boa piada ou uma travessura infantil. Mas, naquela manhã, algo estava diferente. O sol brilhava com uma intensidade incomum, e uma quietude estranha pairava no ar.
Chapolin Colorado, que dormia em sua base secreta foi o primeiro a notar. Ele acordou com uma sensação de inquietação, como se tivesse tido um sonho que não conseguia lembrar, mas que deixou uma marca de urgência em seu coração. Ao sair de seu esconderijo disfarçado como o menino órfão que morava no barril, ele viu que não era o único a sentir aquela estranheza.


Seu Madruga, sempre tão preguiçoso, estava de pé cedo, olhando para o céu com uma expressão confusa. Dona Florinda, a dona da casa mais limpa da vila, não estava varrendo sua calçada como de costume. Em vez disso, ela estava parada, olhando para sua vassoura como se não soubesse o que fazer com ela.

 - Escuta, Chavinho! - Chiquinha, a filha de Seu Madruga, disse se aproximandode Chaves com um olhar sério. - Você sentiu, não é? - Perguntou e divagou - É como se... como se estivéssemos vivendo os mesmos dias, de novo e de novo."


Chaves assentiu. Ele sempre teve uma percepção aguçada, apesar de sua aparência desleixada e seus modos simples:

- Sim, - ele disse - É como se estivéssemos presos.

A conversa foi interrompida pela chegada de Quico, o menino mimado da vila, que veio correndo com uma bola nova:

- Olhem o que minha mãe me deu! - ele exclamou, esperando a atenção de sempre. Mas, ao invés dos olhares invejosos ou das brincadeiras habituais, ele encontrou apenas olhares vazios.

Foi então que Dona Clotilde, conhecida como a Bruxa do 71, apareceu. Ela sempre foi uma figura misteriosa na vila, com seus pets pretos com nomes estranhos e suas plantas exóticas. Mas naquele dia, ela parecia ainda mais sombria, com um sorriso que não alcançava os olhos.

- Que bom ver todos vocês tão... vivos, hoje! - ela disse com uma voz carregada de um significado oculto, enquanto carregava sua cesta de palha, aparentemente indo para a vendinha, na rua da vila.

Os moradores trocaram olhares preocupados. Eles sabiam que algo estava errado, mas não podiam imaginar o que Dona Clotilde tinha a ver com isso. Foi então que Chiquinha, sempre curiosa e destemida, decidiu investigar.

Ela se esgueirou até a casa da Dona Clotilde assim que se certificou que a velha dobrou a esquina da rua e, com a habilidade de uma espiã, entrou sem ser vista, pelo pequeno cachorro dela com aquele nome bíblico que você leitor, certamente já conhece. Lá dentro, ela encontrou algo que nunca esperaria: um livro antigo, com páginas amareladas e uma capa de couro gasto. O livro estava aberto em uma página que mostrava um feitiço poderoso, e as palavras pareciam saltar da página, chamando por ela.

Chiquinha leu as palavras em voz baixa, e uma compreensão terrível a atingiu. A Vila do Chaves não era apenas um lugar; era uma prisão. Um feitiço lançado por Dona Clotilde os mantinha presos em uma realidade de sitcom, condenados a viver os mesmos dias, as mesmas piadas, as mesmas tristezas e alegrias, para sempre.

Ela correu de volta para os outros, o livro firmemente em suas mãos: 

- Pessoal! Temos que sair daqui, - ela disse, ofegante.  - Temos que quebrar o feitiço."

Seu Madruga, que sempre teve um pé na realidade e outro na preguiça, olhou para o livro com suspeita.

- E como você sugere que façamos isso, Chiquinha? - ele perguntou.

- Deixa ver, papaizinho lindo, meu amor. Está aqui em algum lugar... - Chiquinha disse folheando o estranho livro até a última página, onde um contrafeitiço estava escrito.

- Ah, sim... Sim! Aqui está! Precisamos de ingredientes. - ela explicou.

- Ingredientes que só podem ser encontrados aqui na vila. - Chiquinha continuou, sua voz tremendo de urgência:

- Precisamos do choro de um coração partido, das risadas mais sinceras, da coragem de enfrentar nossos medos e do amor verdadeiro.Os moradores se entreolharam, absorvendo a gravidade das palavras de Chiquinha. Era uma tarefa desafiadora, mas a única chance que tinham de quebrar o feitiço e escapar da repetição interminável de suas vidas.- Então vamos lá! - exclamou Chaves com determinação brilhando em seus olhos. - Temos um feitiço para quebrar e uma vila para salvar!

- Mas, isso pode ser perigoso, Chaves. Quico disse amedrontrado, enquanto segurava seu ratinho branco de estimação - E se alguém for transformado em sapo, ou até... Morrer!

- Pois eu prefiro morrer, do que perder a vida! - Chaves afirmou colocando a mão direita em seu peito e fechando o punho esquerdo, num discurso que inspirou a todos.

Com essa determinação renovada, os moradores partiram em busca dos ingredientes necessários, cada um assumindo a responsabilidade de encontrar sua parte na quebra do feitiço.Enquanto isso, no recanto mais sombrio da vila, o pequeno cachorro de Dona Clotilde observava tudo com um quase-sorriso malicioso. Ela sabia que o tempo dos moradores estava se esgotando e que logo seria tarde demais para escapar da teia de magia de sua dona.

Vendo tudo através dos olhos de seu cachorro, enquanto comprava algumas verduras na vendinha, com um gesto sutil, Clotilde invocou uma neblina densa que envolveu a vila, obscurecendo o sol e tornando o ar ainda mais pesado. Seus olhos brilharam discretamente com malícia, assustando o açougueiro enquanto ela pegava algumas carnes sobre o balcão de madeira.

- Isso vai ser divertido! - Disse a Bruxa do 71, voltando para casa, quando o dono da vendinha que a observava ainda confuso, de repente balançou a cabeça, como que saindo de um transe.

Chiquinha, com o livro de feitiços firmemente sob o braço, liderava o grupo com uma determinação feroz. Seu Madruga, embora ainda cético, não podia negar a estranheza dos eventos recentes e seguia sua filha, murmurando preocupações sob o bigode. Chaves e Quico, embora por razões diferentes, estavam igualmente envolvidos na missão.

O primeiro ingrediente listado no livro era algo chamado "Lágrima de Lua", uma substância rara que, segundo a descrição, só poderia ser encontrada sob a luz do luar. A vila não tinha lua, claro, presa como estava em um ciclo eterno de dia e noite televisivo. Mas Chiquinha tinha um plano.

[ UDG ] SEGREDOS: Sem Querer, QuerendoOnde histórias criam vida. Descubra agora