1 - NOIVA EM FUGA

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Não sei se agora; ela poderia chamar aquilo de "casamento dos sonhos" afinal...

A pobre noiva agora está com a cabeça encostada na janela de um trem, que parte para bem longe da cerimônia que deveria celebrar o dia feliz de sua vida, mas não, este não parece ser "aquele dia".
Pior; aquela manhã ensolarada na praia de Acapulco assumiu a forma de um verdadeiro pesadelo, do qual parece ser impossível de acordar.
- Oh! E agora? - Ela sussurra se olhando em um pequeno espelho de bolso:
- Quem poderá me ajudar? - Florinda; a mulher refletida no espelho, murmura olhando para os lados, e reparando que todos também já reparam no vestido de noiva todo sujo, com o qual ela fugiu, do próprio casamento.
De fato; nesta hora deveria aparecer um certo super-herói com anteninhas de vinil, mas infelizmente ele precisou viajar no tempo, depois que um grupo de super-heróis norte americanos e alienígenas veio do futuro, a fim de recrutá-lo para a resistência contra um poderoso vilão que dizimou metade da vida no multiverso, simplesmente alterando toda a realidade no lugar de onde vieram.
Outros bravos heróis ganharam a guerra e a humanidade; (mesmo sem ter a mínima ideia do que isso custou aos seus salvadores), pôde ver o sol brilhar outra vez.
Já nosso amado e intrépido Chapolin Colorado; sacrificou nobremente a própria vida em combate, para que os demais heróis pudessem derrotar as numerosas, e praticamente invencíveis tropas daquela ameaça ímpar, que a humanidade ainda iria conhecer!

- Algumas coisas não podem ser mudadas, minha cara! - Diz um velhinho; que usando óculos solares, com estilo de aviador e lentes avermelhadas, lia um jornal bem ao seu lado.
- Já outras... Você é quem precisa decidir entre mudar, ou não. - Ele fala com um sorriso meigo em seu rosto, tão encantador quanto enrugado.
- Obrigada! Mas estou transtornada demais no momento, na verdade... - Florinda murmura tentando segurar as lágrimas:
- Depois disso, não sei se poderei sorrir de novo!
- Escute, moça! - Stan Lee diz dobrando o jornal. - Qual é o seu nome?
- Florinda. - A noiva em fuga responde, desconfiada.
- Muito prazer, Florinda. Meu nome é Stan!
- Olá, Stan!
- Mas não vamos falar de mim, agora. Me diga uma coisa.
- O quê? - Florinda replica limpando algumas lágrimas.
- Você estava feliz? - Ele pergunta fitando bem nos olhos de Florinda, que responde, mais recomposta:
- A verdade?
- Por favor. - Ele insiste e ela exclama:
- Não!
- Então; porque viver sua vida sem sentido algum, com alguém que não ama realmente a ponto de dividí-la para sempre? - Stan Lee pergunta e prossegue:
- Ser feliz é não viver a vida em vão, minha jovem!
- É... Acho que o senhor tem razão! - Florinda resmunga, com a voz embargada, quando uma gravação ecoa pelo trem, avisando sobre a próxima parada:
- Próxima estação, Tangamandápio. Desembarque pelo lado direito do trem.

Minutos depois...

- Muito obrigada... Stan, isso? - Florinda diz se recordando do nome que ele disse ao se apresentar minutos antes, e pegando as malas que carrega, um tanto desajeitada.
- Exato. Mas, não por isso.
- Foi um prazer! - Florinda se despede enquanto as portas se fecham.
- O prazer foi todo meu, Dona Florinda. - O velhinho mais querido no mundo do entretenimento responde serenamente, quando as portas do vagão terminam de se fechar.

- Dona? - Dona Florinda se questiona. - Como ele sabia?
- Ah! Deixa isso pra lá, essa cidade é enorme e eu preciso chegar nesse lugar, antes que anoiteça!
- Muito bem. - Ela diz olhando para a cidade além da estação ferroviária, enquanto o trem do qual desembarcou, desaparece numa densa neblina ao longe.
- O que está feito... Está feito! - Ela diz já carregando as malas pela estação lotada.
Apesar de atrair os olhares de todos; a noiva em fuga e ainda vestida a caráter, decide não ligar para as pessoas à sua volta, seguindo seu caminho até um táxi, próximo dali.
Ao entrar no carro; um belíssimo Lexus branco de quatro portas, Florinda pega uma agenda onde está anotado o endereço de ninguém menos que...
- Jaiminho, o carteiro? - O taxista pergunta hospitaleiro; enquanto tentando se acomodar como pode no carro, a turista e noiva em fuga comenta sobre a pessoa na agenda, e o endereço dela.
- Isso! Ele mesmo. É para lá que preciso ir, já que ele não pôde vir me buscar aqui no aeroporto.
- Ah, na certa ele só quis evitar a fadiga! - O taxista diz sorrindo, enquanto pilota pela metrópole desconhecida e estranhamente futurística.
- Nunca esteve em Tangamandápio antes? - O taxista pergunta quando o carro balança como se estivesse sendo levantado do chão, e de fato está, porque do nada as rodas do veículo entram em seu interior, e literalmente levantando vôo o táxi se junta a centenas de outros veículos voadores.
- Mas o que é isso? - Florinda grita assustada.
- Só entra em Tangamandápio quem recebe um convite, moça. Nossa cidade não está no mapa, lembra?
- Mas como isso... - Florinda diz aterrorizada aí se ver cercada por arranha-céus tão altos que desaparecem nas nuvens. - Como isso tudo é possível?
- Digamos que você entrou no táxi certo, - o motorista diz gentilmente. - só isso!
- Ai, meu Deus! - Ela exclama quando um gigantesco trem flutuante passa em alta velocidade por baixo do táxi.
- Isso não está acontecendo! - Florinda ainda não acredita no que está vendo, enquanto o taxista diz:
- Na África também existe uma cidade secreta com quem Tangamandápio negocia tecnologia, entre outras coisas!
- Sério? - A noiva em fuga pergunta ainda perplexa.
- Seríssimo! - Responde o taxista, enquanto pilota o táxi voador para longe de todo aquele tráfego aéreo, na direção de uma área inferior da cidade que dá para o que parece ser uma zona rural.
- Shangrilá; Atlântida, Dinotopia, Wakanda, Acre, Temyscira, Eldorado... São apenas alguns dos muitos lugares como Tangamandápio, minha amiga! Você ficaria maravilhada se os visse.
- Inacreditável! - Florinda diz olhando pela janela traseira do veículo, que já deixa a parte futurística da cidade para trás e ao longe.
- Se segure! Estamos chegando. - O taxista diz apertando alguns botões que fazem os pneus saírem do interior do automóvel, à medida que este já se aproxima duma estrada ladrilhada por uma grande floresta de coníferas enormes.
Dona Florinda se segura como pode; enquanto o carro trepida por um instante e logo aterrissa na estrada asfaltada, de onde segue por terra por um trecho cheio de curvas leves, porém extensas.
Enquanto o motorista cantarola muito baixo... Alguma música que ela não consegue ouvir; Dona Florinda, dos bancos de trás apenas o observa, enquanto ele conduz o veículo por aquela estrada que parece interminável.
De repente; com a cabeça recostada no banco do passageiro, ela tem um flashback perturbador:

- Mas, querido! Por favor, eu posso explicar... - Florinda se vê, tentando se explicar para o seu novo, e agora prefeito de Acapulco, o Sr. Girafales.
- Não entendo. Porque, Florinda? - Ele diz sentando-se numa escada e parece estar cansado afinal, correu atrás da própria noiva feito um louco, por ela ter dito não e fugido do próprio casamento.
- Por favor, entenda. - Florinda insiste.
- Eu achei que estava pronta, mas não.
- Você... - Girafales replica, desolado. - Não estava pronta?
- Agora vejo que não.
- Mas e todas as xícaras de café, e todos aqueles nossos momentos maravilhosos, você... - Girafales agora altera o tom da voz em meio às lágrimas que rolam de seu rosto. - Florinda, como você não estava pronta para este momento?
- Porque eu descobri, onde está meu verdadeiro amor. - Florinda diz, alheia à tensão do presente momento, num devaneio típico apenas dos apaixonados.
- Agora entendo! - Girafales diz, resoluto, porém possesso pela resposta e arrasado com tamanha decepção.
- Que vergonha, meu Deus, que vergonha!
- Entende? - Florinda questiona. - Vergonha de quê?
- Dona Clotilde me mostrou provas contundentes de que você tinha outra pessoa, mas como fui tolo, meu Deus!
- Aquela bruxa... Fez o quê? - Florinda gritou enquanto todos saíam do local do casamento para ver a discussão entre os dois bem no meio da cidade às portas do Hotel Acapulco.
- Não te interessa! Agora sei quem você é.
- Girafales, por favor... - Florinda implora tocando no ombro de Girafales, mas ele grita rasgando as próprias roupas de casamento:
- Não me toque, traidora!
A conversa acaba ali mesmo, com Florinda correndo pela praia, e indo até uma avenida próxima, onde sua amiga Dona Neves, a aguarda em um Rolls Royce preto, o mesmo no qual ela veio para se casar, mas que agora estava pronto para a fuga deste mesmo evento.

Começa então uma perseguição em alta velocidade; na qual Florinda e Dona Neves, são perseguidas por carros pretos dirigidos por homens armados, a mando do próprio prefeito para capturar a própria noiva a fim de tirar satisfação.
- Vou despistá-los, amiga! - Dona Neves diz estendendo a mão esquerda para fora do carro quando um dos carros emparelha com o dela.
- Tem certeza disso? - Florinda grita apavorada.
- Relaxa, bebê! Deixa eles com a vovó! - Dona Neves grita acelerando ainda mais.
- Então vocês querem ação, garotos?
- Encosta, vovó! - Os homens gritam apontando armas de grosso calibre enquanto Dona Neves estende o braço esquerdo para eles, porém com a palma da mão para cima e abrindo os dedos, enquanto dirige apenas com o braço direito.
- A gente mandou parar! - os perseguidores gritam cercando o carro onde as duas estão por todos os lados, quando repente... Dona Neves fecha o punho esquerdo e o carro à esquerda é sobrenaturalmente reduzido a um montão de metal retorcido.
- Florinda! - Dona Neves grita abrindo a porta mesmo com o carro em alta velocidade, o que obriga Florinda a gritar:
- O que foi aquilo, Dona Neves?
- Cala essa matraca e dirige, menina! - Neves grita agarrando o teto do carro com as mãos e girando sobre o próprio corpo vai para o teto do veículo gritando:
- Dirige!
- Ai Jesus! - Florinda assume o volante, rasgando uma parte do vestido, quando Dona Neves simplesmente pula na direção dos carros que perseguem Florinda com os punhos levantados, como se estivesse pronta para esmagá-los.
- Pelo amor de Deus... - Florinda grita ainda dirigindo em alta velocidade quando vê os carros de seus perseguidores voando para todos os lados.
- Dona Neves!

De volta ao presente...

- Moça... Chegamos! - O taxista avisa, agora agradecendo pelo pagamento da corrida, que já é realizado por ninguém menos que a própria Dona Neves, porém acompanhada do carteiro Jaiminho.
- Oi, já? Graças a Deus! - Florinda diz voltando do flashback e ele pergunta:
- Você está bem?
- Eu acho que sim, estou sim. - Ela agradece quando vê Jaiminho e Dona Neves já pegando suas malas.
- Muito obrigada, amigo! - ela agradece já caminhando pelo belo jardim florido de uma suntuosa mansão ao longe, enquanto Sr. Jaiminho e Dona Neves também acenam se despedindo do táxi que já flutuando, volta à cidade.

CONTINUA...

[ UDG ] SEGREDOS: Sem Querer, QuerendoOnde histórias criam vida. Descubra agora