capítulo 04

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— beijos filha, te amo.

— Até mais tarde.

Ela desligou e fiquei por um momento pensando na vida.
Pensei vendo a foto de perfil dela, que tínhamos tirado a muito tempo  atrás o mesmo buteco, fazendo me lembrar do quanto estávamos empolgadas quando ela conseguiu quitar sua casinha. Estava na hora de tirar uma nova foto e criar novas lembranças junto a ela...

[....]

— Como está se sentindo hoje, senhor Moreira? — O homem havia sofrido um acidente de carro que vitimou duas outras pessoas. Tinha ficado desacordado por algumas horas e tido cortes e escoriações graves pelo corpo, que poderiam infeccionar.

O hospital em que trabalhava poderia não ser especializado em neurologia, mas atendíamos esse tipo de trauma por falta de vaga em outros locais.

— Doido para voltar para casa, não aguento mais ficar preso a essa cama — resmungou. — Acredito que amanhã o senhor terá alta — disse suavemente, ignorando o tom ríspido com que falou.

Nós do quadro de saúde, tanto enfermeiros, técnicos e até mesmo médicos, éramos considerados por parte da população como ignorantes e arrogantes, e não podia negar que alguns profissionais abriam margem para esse tipo de comentário, mas alguns pacientes também eram terrivelmente difíceis, mesmo eu sendo gentil com eles. Mas eram os ossos do ofício, e eu queria dar o meu melhor sem me importar com nada além de fazer o meu trabalho.

— Hmph — começou a soltar uma série de impropérios, sendo que eu não tinha feito nem dito nada demais.

Apenas suspirei fundo, colocando minha luva de látex.

— Vamos cuidar do seu ferimento, senhor?

— Faz logo isso. Esse velho só enche o saco — a mulher dele, que até então estava calada, respondeu por ele e um bate-boca entre os dois começou, os decibéis das suas vozes aumentando exponencialmente.

— Por favor, senhores, estão incomodando os outros pacientes da enfermaria. — Tentei intervir.    — Não se intrometa, mulher — soou agressivo, e trêmula, caminhei com passos trôpegos até uma pequena recepção onde ficavam algumas técnicas de enfermagem, local não tão longe de onde o encrenqueiro estava.

— O que está acontecendo, Sofia? — uma delas me interpelou quando gritos altos se fizeram ouvir ali.

— Chame um segurança, por favor, Adriana — pedi em um fio de voz.  — Começou com uma discussão conjugal besta e está tomando proporções enormes.

  — Sua vadia! — gritou o paciente. — Você me traiu com aquele filho da puta!

— Já chamei. Ficarei a postos para ligar para a polícia se for necessário. — Obrigada. — Nada. Dei um sorriso trêmulo e voltei para a enfermaria que estava um caos ainda maior, com o caçador de confusão discutindo com outros pacientes. Por sorte,dois vigilantes não demoraram a chegar, aplacando os ânimos.

Troquei as luvas e pus-me a cuidar do homem chato que agora resmungava baixinho, não poderia ignorá-lo, afinal isso não era do meu feitio. Era apenas o início do plantão e se o ocorrido indicasse algo, aquele seria um dia daqueles! Torcia para que estivesse completamente errada.

***

De fato estava certa em minha previsão, e boa parte do plantão tinha sido uma correria quando vítimas em estado grave chegaram e eu tive que auxiliar na emergência que pareceu banhada em sangue.
Demorou cerca de cinco horas para que conseguíssemos deixar todos estáveis para que pudessem ser transferidos para outros locais. Meu corpo todo estava dolorido pela tensão de ajudar aquelas pessoas a sobreviverem, mesmo que alguns dos meus colegas tivessem sussurrado que eles não passavam de escórias e que gastar recurso com eles era desnecessário.
E em meio ao cansaço e a dor, era esse tipo de comentário que me deixava mais para baixo.

Mas tinha que continuar, ainda faltava algum tempo para encerrar minha jornada de trabalho. Porém, uma pequena pausa era sempre bem-vinda. Adentrei a sala pequena onde a equipe de plantonistas costumava fazer suas refeições e encontrei minha amigas ali, uma das melhores enfermeiras do hospital. Ela mexia no celular, mas ergueu o rosto em minha direção e franziu o cenho.

— Você está péssima — comentou sem largar o aparelho.

Apenas dei de ombros e caminhei até a cafeteira, por sorte ainda tinha um pouco do líquido que alguém tinha feito. Era uma raridade. — Dia difícil no plantão — respondi quando me sentei ao seu lado no sofá.

— Nem me fale, estou doida para fazer vários nadas. Mas combinei de levar meu filho no Parque Municipal para andar no brinquedo do Wallygator. — Fez uma careta, mas depois sorriu.

Ela era apaixonada pelo pequeno de apenas quatro anos e faria tudo por ele. — Tem sorte dele não te convencer a andar no barquinho a remo. Ri ao relembrar da vez que me arrisquei a remar no lago da região central de Belo Horizonte, mas não tinha conseguido sair da margem, para o deleite das crianças que me assistiam. Tinha sido uma completa negação.

— Merda! — praguejou e nós duas caímos na risada. — Você vai sobreviver, Júlia. — Beberiquei o café que não estava tão gostoso, mas que dava para o gasto.

— O que não fazemos pelos filhos, não é mesmo? — falou com displicência, mas sua expressão que estava sorridente logo se transformou em uma careta de raiva.

— Porra, não acredito! — O quê? — Um incômodo sem sentido brotou no meu peito e eu tratei de ignorar.

— O que aconteceu? —  Esse não é o Fernando ?— Apontou para o próprio celular e estranhamente apertei a caneca entre meus dedos com força, com medo de deixá-la cair com a apreensão que me tomou.

Olhei para a fotografia reconhecendo de cara o homem moreno com cabelos lisos abraçado com uma mulher loira, uma antiga colega de trabalho que tinha passado em um concurso em outro lugar. Mas o que verdadeiramente me deixou trêmula e ofegante foi ler a legenda: ela estava com dois meses...





Voltei!
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Um Bebê Por Encomenda - Adaptado.Onde histórias criam vida. Descubra agora