capítulo 06

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Nesse momento tive a certeza de que, independentemente do que Ronaldo pudesse ter feito, nada se compararia ao que escutaria hoje.
E o que ressaltava ainda mais isso era a ausência do meu pai. Sem dizer nada, sentei-me no lugar a mim reservado e os fitei.

— Boa tarde, ao que devo essa reunião de última hora em plena manhã? — Minha voz soou mais grave e severa do que eu gostaria, mas não me importei.
A apreensão era sufocante.
Ninguém respondeu. Eu apenas ergui a sobrancelha, esperando que alguém se manisfestasse.

— Como neta de Estebán Mendonça, gostaríamos de saber se é verdade o boato de que a Mendonça Alimentos poderá ser vendida.
— Um dos funcionários mais antigos da casa interpelou-me e eu fitei seu rosto coberto por tensão.
Precisei de alguns segundos para que suas palavras fossem assimiladas pela minha mente e uma raiva descomunal me invadiu.

— O quê? — gritei, batendo meus punhos cerrados em cima da mesa, fazendo com que todos olhassem para mim, assustados.
— Do que você está falando? A MENDONÇA não está à venda e nunca estará!    — Não é o que parece, senhor, infelizmente — comentou. — Explique-se.  — Trinquei os dentes.

— Senhora, ouvimos falar que Ronaldo tem tentado vender a empresa a um dos nossos principais concorrentes, e isso tem deixado alguns dos nossos fornecedores de matéria prima preocupados, receando um possível calote, por mais que os pagamentos nunca tenham sido feitos após o prazo.
— Merda!— Embora achássemos que eram apenas boatos, conseguimos encontrar um documento que prova que nossos medos não são infundados.
Não pude conter vários impropérios que saíram da minha boca quando o homem me passou uma pasta e meus olhos percorreram uma cópia de uma proposta, que não fazia ideia de como chegou nas mãos de meros gerentes.
A cada linha que eu lia, eu sentia minha raiva pelo meu pai aumentar ainda mais.
O documento não apenas deixava claro que Ronaldo estava querendo vender a Mendonça Alimentos por um valor bem abaixo do mercado, caso a empresa realmente estivesse sendo comercializada, sem o consentimento do meu avô, como especificava que o dinheiro a ser transferido iria diretamente para conta de Ronaldo, deixando o pai dele na rua da amargura.
Por esse valor, até mesmo eu iria querer adquiri-la, acabando de vez com a necessidade de eu ter um filho para poder tirar meu genitor da empresa.
Mas o que verdadeiramente me preocupou foi constatar a ausência de cláusula que protegesse os funcionários, podendo então ocorrer demissões. Canalha de merda! Eu não deixaria isso acontecer.
— E então, senhora? — perguntou, ansioso, o gerente.
Eu olhei para todos os presentes e vi que aguardavam minha resposta com apreensão.
— Fiquem tranquilos que isso não acontecerá — disse entre dentes.
— Só se for por cima do meu cadáver.

— Como procedemos, senhora Mendonça? — Outro me interpelou.
— Precisamos dar essa garantia a todos, principalmente aos nossos colaboradores e fornecedores.

— Felipe — olhei para o homem responsável pelo departamento de marketing —, peça a equipe para fazer um aviso de circulação interna e outro para os nossos parceiros desmentindo a venda.

Mas não deixem vazar para o público externo.

— Certo, senhor. Iremos providenciar.
— Assenti, ainda sentindo a fúria me invadindo.
— E o senhor Ronaldo? — O gerente mais corajoso me perguntou.
— Eu cuidarei dele em breve. Me contive para não chamar meu pai de imbecil na frente de todos. Já tinha perdido a compostura antes ao falar palavrões na frente dos funcionários do meu avô, algo que definitivamente eu abominava. Provavelmente eu ficaria irritado com a minha conduta mais tarde, quando minha raiva arrefecesse.
Eu era uma 6 de negócios e autocontrole era uma característica necessária para obter sucesso, prestígio e respeito.
Tinha uma reputação para preservar e isso não incluía agir movido pela emoção.
— Enquanto isso — continuei —, colocarei meu avô a parte de tudo que está acontecendo e do plano de meu pai.
Tenho certeza que ele também não deixará isso acontecer.
Ninguém disse nada e eu continuei fitando-os, como se desse coragem a eles de perguntar ou comentar algo, porém, quando vários minutos se passaram e continuaram em silêncio, dei a reunião por encerrada, sem deixar de frisar meu pedido para o responsável pelo marketing. Com a cabeça pulsando, levantei-me da mesa dando um aceno de cabeça em despedida e encaminhei-me para o estacionamento subterrâneo. Tinha que falar com o meu avô e rápido...

•••

Observei meu avô tomando seu café calmamente, como se nada tivesse acontecido, com o cenho franzido. Com tato, tinha exposto a ele sobre como Ronaldo estava tentando vender a empresa a uma concorrente e, o pior disso tudo, como o suposto contrato poderia deixar nossos colaboradores em uma situação difícil.
Porém o longo silêncio dele me perturbava mais do que poderia imaginar. Esperava que aquele homem, antes firme e impassível quando dizia respeito a sua empresa, aquele em que me espelhei desde que era menina, reagisse, colocando um fim em tudo aquilo, fazendo com que meu pai deixasse o cargo de presidente da empresa imediatamente.
— E então, vovô? — Não contive minha impaciência quando ele nada respondeu.
Fitei seus olhos tão escuros quantos os meus, com um brilho de decepção cintilando brevemente.
— O que você quer que eu diga, Marília ? Pousou a xícara vazia na mesa de centro e juntou as mãos, que estavam um pouco trêmulas, sobre a barriga.
Nunca tinha visto Estebán tão vulnerável e eu não gostei nada de vê-lo assim.

Engoli em seco e passei a mão pelos cabelos, não respondendo de imediato. — Ele não conseguirá vender de todo modo — falou com a voz tensa, revelando-me que, diferentemente do que eu pensava, meu avô não estava tão indiferente assim.
— Quem garante isso? — Arqueei a sobrancelha. — Eu, Mari. — Suspirou profundamente.
— Mesmo sendo o presidente, ele só conseguiria vender com a sua assinatura. Você pode não estar no comando da minha empresa como eu gostaria, mas tem cinquenta por cento de tudo. Te fiz meu herdeira legal. — Entendo.
— Embora me sentisse um pouco mais aliviado, algo ainda me incomodava.
— Então todos podem ficar tranquilos quanto a isso. — Soltou um suspiro ruidoso, como se já esperasse algo do tipo vindo do próprio filho.
E não sei por que, constatar isso me deixou ainda com mais raiva .
— O que fará com Ronaldo? — Fiz uma pausa e o fitei com seriedade. — De um empresário para o outro, acredito que isso é justificativa o suficiente para afastá-lo agora, já que não o fez quando soube que ele desviava dinheiro e tem afundado a empresa cada vez mais. — Nada.
Descruzou as mãos, pousando-as sobre a coxa, dando de ombros. Eu bufei, incrédula.
Sabia que ele amava e muito o filho, da mesma maneira que a mim, mas não esperava que ele fosse deixar passar em branco aquilo, agindo como se algo de tão grave não tivesse acontecido. Mesmo que soubesse que não existia a possibilidade de a venda acontecer, era muito para mim.





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Um Bebê Por Encomenda - Adaptado.Onde histórias criam vida. Descubra agora