capítulo 07

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Vovô...

— Só você pode fazer algo, Mari...

— comentou com a voz aveludada e eu me mexi inquieta na poltrona, torcendo para que ele não mencionasse aquilo que, tirando os acontecimentos do dia, mais me irritava.

— Me dê um bisneto ou… — Mexeu a mão, indicando somente com gestos aquilo que queria dizer.

  Merda! — Está em suas mãos — continuou.

— Não existe mesmo outro modo? — disse entredentes.

— Para te ver feliz? Não, Marília , Faz mais de dois meses que tivemos nossa primeira conversa sobre isso e seu estilo de vida continua o mesmo. Quanto tempo faz que não tira um dia para si mesma?

— Eu... — tentei argumentar, mas fui interrompida com um gesto de pare.

— Não me diga nada, pois sei que é mentira. — Repreendeu-me, como se eu tivesse cinco anos de idade e tivesse acabado de roubar uma guloseima da cozinha, e soltei outro um grunhido irritada.

Não acreditava que estava tendo essa conversa novamente com o meu avô. Parecia que não existia para ele nada além desse assunto mais do que irritante.

— Sou adulta, pelo amor de Deus! Uma grande empresária, uma das mulheres  mais ricas de Belo Horizonte.

— Mas ainda é o minha neta,  e nem sempre sabe o que é melhor para si mesma.

— Como se uma mulher e um filho fossem imprescindíveis na minha vida. — Bufei.

Um dia me agradecerá por isso, Marília .— Fez uma pausa e eu olhei sua expressão implacável. — Eu era igualzinho a você, minha filha.. Não cheguei aonde estou sem ambição e aproveitei todas as oportunidades que tive. Mas o amor de uma mulher nos muda muito, fazendo-nos ver  quanto tempo perdemos e o quão tolo fomos.

— Hm… — Dei de ombros. — Sua avó e seu pai, apesar da dor de cabeça que ele me dá, foram as melhores coisas que aconteceram na minha vida — sorriu. — A mulher certa, que na minha opinião pode estar mais próxima do que você imagina, fará você mudar também. Prescrutou-me seriamente e ficou em silêncio, servindo-se mais um pouco de café enquanto eu sentia um arrepio percorrer a minha coluna.

Não que eu acreditasse nas palavras do meu avô no que tangia a mim, mas, mesmo assim, foi impossível conter a minha reação. Seus dizeres mais pareciam uma maldição, ou pior, uma premonição.

E quando um sorriso começou a se formar em seu rosto, outro calafrio me varreu e não contive um tremor. Sem que me desse conta, desabotoei dois botões do meu terno, que subitamente começou me incomodar, ainda mais quando a frase na minha opinião pode estar mais próxima do que você imagina começou a ecoar na minha mente.

Porra! Não existia mulher alguma em minha vida, e tão cedo teria, mas os olhos negros dele me diziam que eu estava errado. Tinha a ligeira impressão de que Estebán via além do que eu poderia enxergar. Mas o que ele via? Eu não tinha ideia. Apenas minha respiração ruidosa se ouvia no cômodo e quanto mais ele me fitava, mais confusa e estranha eu me sentia. Estava dividida entre escolher o rebaixamento de cargo de Ronaldo, com meu avô removendo meu pai da presidência, algo que eu tanto queria, ou a manutenção do meu estilo de vida de solteirona .
Mas, merda, como eu daria um neto para o meu avô? Tinha pensado em todas as possibilidades, mas nenhuma me pareceu boa o suficiente.

Eu me sentia em um mato sem coelho. Talvez o melhor a ser feito era deixar que meu pai arrastasse para lama a empresa do meu avô, acabando de vez com tudo aquilo, e manter completamente o meu foco na Comer Bem Alimentos. Mas algo dentro de mim rebelava-se contra a ideia de desistir de tudo e do legado do Estebán, da mesma maneira como a ideia de ser pai me atormentava.

Sentindo-me em conflito e prestes a me sufocar com a angústia, ergui-me da poltrona e, lançando um último olhar para o sorriso diabólico do meu avô, que pressagiava algo que não sabia o que era, e eu fiz aquilo que nunca tinha feito desde que me tornei mulher feita: fugi, como se estivesse sendo perseguido pelo próprio diabo, esquecendo-me completamente de Ronaldo, o quanto isso poderia prejudicar outras pessoas, e a raiva que sentia por aquilo que ele tinha feito.

Eu caminhava a passos largos pelos corredores da mansão, sem destino algum. Afastar-me do meu avô não diminuiu em nada a batalha interna que estava travando comigo mesmo.
Minha respiração estava completamente acelerada. Nunca tinha me sentido assim antes, era uma mulher decidida que não hesitava em nada, mas nunca precisei lidar com meus sentimentos pessoais.

Estava tão perdida em mim mesma que nem reparei que me aproximava da cozinha até que ouvi pessoas conversando. A voz feminina que há algum tempo não escutava fez meu corpo vibrar, como sempre acontecia quando eu a ouvia. Maiara… A conheci quando eu era um adolescente e ela uma doce menininha curiosa, que algumas vezes acompanhava a mãe ao trabalho quando dona Rosimeire, a nossa cozinheira, não tinha ninguém para deixar a pequena, e meus avós, sempre bastante generosos, não se importavam com o fato. Mesmo que houvesse uma diferença de dez anos de idade entre nós, isso não me impediu de brincar com a pequena, que era completamente encantadora.
E o que começou com uma simples brincadeira de crianças, tornou-se uma amizade infantil que infelizmente foi se dissolvendo à medida em que crescíamos e eu ficava cada vez mais distante pelas minhas responsabilidades na escola, depois na faculdade e em seguida na minha própria empresa.

Mas, mesmo assim, vez ou outra esbarrávamos nos corredores e engatávamos uma conversa sobre amenidades, oportunidades em que não pude deixar de perceber as mudanças em seu corpo, principalmente quando ela completou dezoito anos. A pequena menina, que mais parecia uma boneca viva com seus olhos castanhos claros, se tornou uma mulher extremamente sedutora, mesmo que não tivesse consciência disso.

Por mais que eu quisesse ser uma cavalheira, pelos velhos tempos, toda vez que a encontrava, não conseguia conter o meu olhar que a percorria da cabeça aos pés, devorando cada pedaço do seu corpo bem-feito, embora pequeno e frágil.
Um fogo varria toda a minha extensão, coisa que não deveria sentir por ela, me fazendo sentir culpa por comê-la com os olhos, afinal ela era a doce Maiara, criança pela qual meu avô e minha falecida avó nutriam carinho como se fosse uma neta.
Sentir-me atraída por aquela mulher me soava como algo completamente proibido, mas, mesmo assim, só de ouvir sua voz, sentir seu cheiro e fitá-la, uma sensação estranha me dominava.
Mas eu a sufocava. E agora, ouvindo sua voz abafada pela distância, experimentava aquela mesma sensação que me invadia sempre, e esquecendo momentaneamente a confusão que me tomava quando deixei a conversa com meu avô, me aproximei mais da cozinha, como se fosse uma mariposa atraída para a luz.
Porém, antes de adentrar o recinto, algo me fez estacar no lugar, e mesmo não querendo e não sendo do meu feitio, escutei a sua conversa, sabendo o quanto aquilo era errado. Mas o tom da sua voz parecia um pouco para baixo, o que me incomodava de uma maneira que eu não sabia explicar.




Desculpe qualquer erro!

Um Bebê Por Encomenda - Adaptado.Onde histórias criam vida. Descubra agora