*Narrador
16 de setembro de 1994 - 15h45 P.M
Samuel estava deitado do outro lado da cama quando viu a chuva fina cair do lado de fora do quarto, ele pensa em se levantar e fechar a janela, mas o cheiro de chuva o inebria e ele muda de ideia.
O mesmo tinha uma caixa de lenços ao seu lado, no peito estava seu walkman e ele usava as mãos como apoio para a cabeça.
- Today's Tom Sawyer mean, mean, pride. - ele batuca com os dedos sobre o peito no ritmo da música, fecha os olhos e foca na batida.
Consegue se visualizar em palco, rasgando com o baixo e a plateia indo a loucura ao som de Tom Sawyer, uma de suas músicas favoritas e essa que seria inspiração para a base do instrumental de uma das músicas mais famosas de sua banda, mas isso era coisa para o futuro.
Ele abre os olhos ao sentir o toque leve das mãos de sua mãe em seu braço.
- Você melhorou, querido? - a preocupação em sua voz fez com que ele desse um sorriso.
- Estou melhor, mãe. - ele a tranquiliza, mesmo sabendo que não tinha melhorado nem um pouco da gripe que havia pegado.
- Ainda está meio abatido. - ela suspira. - Vou fazer um chá.
- Não precisa mãe, eu estou de boa. - ele fala e tira os fones, coloca o walkman sobre a cama e se senta. - O que é isso? - ele pergunta ao ver o envelope branco nas mãos da mais velha.
- A carteira passou e entregou, tem o seu nome. - ela fala e entrega o envelope para ele. - Não tem remetente, a pessoa que escreveu não quer que você saiba quem ela é... Alguma admiradora secreta?
- Quem dera, mãe. - ele dá risada. - Você disse carteira? E o seu Tobias?
- Não sei, hoje ele não passou aqui pela rua e o estranho é que aparentemente ela só tinha essa carta para entregar. - Helena responde pensativa. - Mas logo você descobre quem é, vou fazer um chá para você. - ela beija a testa do filho. - E fecha essa janela, vai pegar friagem e piorar da gripe.
Samuel da risada do tom mandão da mãe e se levanta seguindo até a janela e fechando a mesma, Helena sorri como resposta e sai do quarto deixando o rapaz sozinho.
- Eu nunca recebo carta. - ele resmunga sozinho e volta a se sentar na cama, ao abrir o envelope ele pode jurar que viu gliter sair do mesmo.
O garoto tira o papel e coloca o envelope na cama, ao abrir a carta e ler a mesma, ele não entende nada. Então resolve ler mais uma vez e outra e outra e quando se deu conta já havia lido a carta umas cinco vezes e nada de entender.
"Querida vida...
Você vai me dar flores? Me levar para jantar? Ou no mínimo pagar um padrão de esquina pra mim? Porque você com certeza está querendo me foder!
Que ideia maluca foi essa de me colocar para trabalhar com o Ricardo? COM O RICARDO? O animal tem quinhentas faculdades, pós e os caralhos a quatro e não sabe FILTRAR a porra de uma coluna no excel e aí você me coloca para trabalhar com ele? O que espera que eu faça? Que eu pegue o projeto e faça todo sozinha? PORQUE É O QUE VAI ACONTECER.
Como se não bastasse essa segunda-feira de merda, eu ainda me atrasei pra ir pro serviço e tive a brilhante ideia de correr atrás do 2182, pra quê? PQ TODA HUMILHAÇÃO PARA POBRE É POUCA! Corri atrás daquela merda e o motorista parece que acordou com o Toretto incorporado nele e saiu voando com aquela porra de ônibus.
Que humilhação, meu Deus.
Eu já sou feia, correndo toda desengonçada e com a mochila balançando nas costas então eu devo ser o cão.
O dia foi estressante, mas ao chegar em casa e tomar um banho quentinho, comer uma comida gostosa e deitar pra dormir tudo se resolve, não é? NÃO, RESOLVE PORRA NENHUMA.
Cheguei em casa e não jantei, sabe por que? PORQUE ESQUECI DE TIRAR O FRANGO DO CONGELADOR! Como se não bastasse o meu chuveiro queimou e eu precisei tomar banho no frio.
"Ah, mas deve ter dormido bem."
IMPOSSÍVEL DORMIR COM A VIZINHA DO 406 SENDO MACETADA A NOITE INTEIRA.
Já passam das duas horas da manhã e essa mulher continua gritando, eu estou quase chamando a polícia e dizendo que ela precisa de socorro.
Vou parar por aqui mesmo, pois preciso acordar seis horas da manhã pra ir trabalhar e escutar o Ricardo falar o quão inteligente e bem sucedido ele é e fazer o trabalho dele mesmo sabendo que ele ganha cinco vezes mais que eu.
Com todo amor e ódio do mundo.
Alice.
15 de setembro de 2024."
Samuel encarava o papel confuso.Quem era Alice? Por que ela escreveu com a data de dois mil e vinte e quatro? E por que mandou aquela carta para ela?
Eram tantas perguntas que se passavam em sua mente e ele não conseguia achar nenhuma resposta, a mais plausível era delírio graças a febre causada pela gripe e foi naquilo que ele resolveu se apegar.
Deixou a carta sobre a cama e saiu do quarto em direção ao banheiro, com muito esforço tomou um banho embaixo da água gelada afim de afastar a febre e logo voltou para o seu quarto, choramingando ao ver a carta sobre a cama.
- Deve ter sido um daqueles filhos da puta. - ele resmunga sozinho se referindo aos amigos. - Alguma brincadeirinha idiota, quando eu entender eles vão ver.
Ele se troca rapidamente e sai do quarto, esbarrando com Sérgio no corredor.
- Eai, viado. - o mais velho olha para o irmão. - Melhorou? A mãe disse que você teve febre o dia todo. - ele coloca a mão na testa de Samuel, mas o mais novo se afasta.
- Eu 'tô bem. - ele resmunga irritado e Sérgio o encara confuso. - Os meninos estão aprontando comigo, está sabendo de alguma coisa?
- Eu não. - Sérgio responde confuso. - O que eles fizeram?
- Escreveram uma carta com o nome de uma tal de Alice e mandaram entregar pra mim. - ele responde e Sérgio da risada.
- Qual o sentido de fazer isso?
- Estamos falando do Dinho, ele sempre zoa tendo sentido ou não. - ele retruca e o irmão da risada.
- 'Tá, Sam. - Sérgio nega. - Vou falar pro Dinho parar de zoar com você porque você está doente.
- Não, não precisa. - ele sorri e Sérgio suspira.
- 'Tá com cara de quem vai aprontar.
- Não fala nada para ele ou para os meninos, quero ver até onde eles vão com essa brincadeira. - Samuel fala dando meia volta e seguindo até o quarto.
- Vai pra onde, cabeçudo? - Sérgio pergunta confuso.
- Responder a carta da "Alice".
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Capítulo escrito: 17.05.2024
Capítulo postado: 17.05.2024
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Cartas - Samuel Reoli (Mamonas Assassinas)
Hayran KurguÉ possível escrever para alguém do futuro, ou melhor, escrever para alguém do passado? Independente da pergunta a resposta permanece a mesma, não! Pelo menos foi o que a Alice pensou durante toda a sua vida. Acostumada a escrever desde que se enten...