Estela.
— Eu estava te devendo essa, não estava? — Henrique tenta me advertir diante da menção e, apesar do seu esforço para forçar um tom de sobriedade, minha reação imediata é rir.
Desde que ele me puxou para o meio do ambiente com o pretexto de dançar, Henrique tem se embolado nas palavras. Ele está nitidamente mais alegre do que o comum, falando e gesticulando em excesso e alto tom, de uma maneira que eu me lembro de ter visto ele fazer poucas vezes antes. Mas, sobretudo, ele me parece feliz — tão feliz que eu tenho a certeza de que nunca vi um sorriso como esse antes.
— Bom, não que eu goste de dançar... — Murmuro, me atentando brevemente as pessoas a nossa volta, apenas para não precisar olhá-lo. — Mas você até que faz isso ser... suportável.
— Estela. — Ele me adverte uma primeira vez, e minha risada se intensifica.
Minhas mãos estão sobrepostas sobre o contorno do seu pescoço enquanto as suas mãos tocam o meu quadril. Ele parece se manter fiel à ideia de transparecer aquilo que, em teoria, deveria significar amor. E eu sei que todo esse afeto, que, em até certo ponto, chega a ser real, deveria ser reconfortante, mas eu não tenho certeza se é.
— Desculpa. — Peço baixinho, levando a mão na frente da boca para camuflar a risada. Henrique me olha com certo desdém antes de cessar os passos. Embora ele não ameace se afastar, é mais do que suficiente para que eu proteste: — Ei, eu não quero parar de dançar!
Henrique me lança um olhar semicerrado no que ele acredita ser uma tentativa convincente de me intimidar, mas não acontece. Ao perceber que eu mantenho o sorriso, ele cede:
— Nesse caso, nem eu.
Tocando as minhas costas em um gesto nada sutil, Henrique faz com que meu corpo se aproxime do dele. Eu rio, pouco convencida do gesto, enquanto ele volta a conduzir nossos passos ao som de um sertanejo lento e romântico. Uma das minhas mãos está espalmada contra o seu peito, e é o que impede de que aproximemos mais.
Os olhos de Henrique então correm pelo ambiente, visualizando o mesmo que eu, há pouco. Próximo a nós, ainda há pequenos aglomerados de pessoas conversando, mas nada que seja, de fato, significativo. Henrique sabe que me convidar para dançar em meio a um ambiente praticamente vazio chamaria a atenção — ao menos, é o que eu deduzo das suas intenções.
Então, qualquer resquício de tensão se dissolve. Talvez ele associe a ideia de que está em casa, cercado por pessoas que o amam genuinamente, ou, no mínimo, conheçam ele além da figura pública — ou então apenas se sinta tranquilo. Fato é que, eu assisto a um sorriso surgir com a mesma tranquilidade e gracejo que Henrique tem no olhar.
— Acho que eu nunca te vi tão tranquilo assim. — Comento, em um ímpeto de coragem. O assunto faz com que os olhos de Henrique deixem de varrer o salão para me olhar, e então eu começo a me perguntar o porquê dei razão aos eus pensamentos.
— O que você quer dizer com tranquilo?
Parte do sorriso se desmancha, mas ele não me parece tenso — apenas confuso.
— Descontraído. — Me corrijo a tempo. Ele pondera, balançando a cabeça lentamente, embora não pareça totalmente convencido da ideia. — Você é sempre tão sério. É difícil de acreditar que alguma coisa no mundo te deixe calmo assim.
— Eu? — Henrique repete com horror. Sem saber com exatidão o que ele pretende dizer, deixo uma risada escapar. — Onde eu sou sério, Estela?
— Em noventa por cento do tempo, na verdade. — Eu constato, com uma risada curta — um indicativo da minha sinceridade. Mas então, tento me explicar logo em seguida: — Eu não sei se é porque você se sente mais à vontade aqui...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Imprevisivelmente, seu | Ricelly Henrique
RomanceTudo começa de maneira casual: uma brincadeira descontraída e despretensiosa para ambos. Estela não tem a intenção de levar a menção de Henrique a sério, apesar do nível de seriedade dele, mas quando a situação se torna mais complexa e dramática do...