Estela.
— Eu não entraria aqui, se eu fosse você.
A advertência de Marcela é direcionada a Matheus, quando ele pressiona a porta e me chama, certamente para se queixar de alguma reclamação boba. Matheus então mede o cenário; das peças de roupa jogadas sobre a cama a mala vazia disposta sobre o colchão, e então cresce o olhar até o meu rosto. Parece ter a intenção de recuar, até que se dê conta de que talvez seja tarde demais — ainda que ele tente se esquivar, eu vou choramingar até que ele decida ceder. É uma tática antiga, mas sempre funciona.
— O que tá acontecendo? — Ele questiona. Se mantém atrás da porta entreaberta, quase confiante de que vai ser suficiente para se esquivar do assunto. Felizmente, não é.
— Sua irmã está tendo uma crise. — Marcela acusa. Eu, muito insatisfeita com esse comentário pontual, resmungo:
— É sério, Marcela! — Deixo os braços caírem ao lado do corpo, compartilhando meu sentimento recorrente de frustração. Ela me olha com descrença, enquanto eu resmungo, quase choramingando: — Eu não vou. É isso.
Tratando o assunto um falso desdém, deixo a blusa que eu tenho em mãos cair sobre a cama e meço minhas unhas. Marcela, ainda insatisfeita, não deixa de me dizer:
— Estela, é claro que você vai. — Ela insiste. — Para de enrolação! Você tem menos de meia hora pra arrumar a mala e sair de casa, ou vai perder o voo.
Percebendo o inevitável, Matheus adentra o quarto. Ele está receoso e quase cabisbaixo quando passa pela porta, e mantém a coluna curvada para a frente ao se aproximar da namorada.
— Tudo isso é por que você vai conhecer a família dele? — Matheus supõe, quase desacreditado.
— É claro que é! — Resmungo, recuperando a minha histeria. — Eu só fiz isso uma vez na minha vida, Matheus, e eu nem lembro como é!
A troca de olhares entre Matheus e Marcela não é um gesto nada sutil. Ele contrai os lábios e ela encara os pés, em uma súbita perda de interesse. Claramente estão contendo a vontade de rir, para que eu não me sinta ainda mais decepcionada. Nesse momento, deixo os ombros caírem e tombo a cabeça para trás, reforçando a minha frustração.
— Vocês entraram no quarto pra tirar uma com a minha cara, é isso?
Marcela reage, piscando os olhos, mas Matheus segue imóvel e impassível — como se, por um momento, tivesse perdido a capacidade de reagir.
— Desculpa, cunha. Eu realmente gostaria de saber o que te dizer. — Marcela se queixa, e eu sei que ela está sendo sincera. Enquanto ela segura a borda da mala, me lança um olhar solidário.
Eu sei que Marcela está fazendo o melhor que pode, ela apenas não tem culpa se eu estou em um estado de histeria tão grande que gostaria de poder cancelar a viagem apenas para não ter que terminar de fazer a mala.
— Eu não sei pra que essa histeria toda. — Matheus dá de ombros, claramente tratando a situação como algo meramente casual. — Você é uma ótima pessoa, Tete, e qualquer um que te conheça sabe disso. Só seja...
— ...você mesma e tudo vai dar certo. — Concluo, sem um terço do seu entusiasmo. Quando Matheus me encara, percebo que ele precisa contrair os lábios outra vez. Eu não tenho sido nada além de uma fonte de entretenimento para ele. Respiro algumas vezes antes de desejar: — Vai pra merda com esse papinho motivacional, Matheus.
Saio da frente dele, encarando as portas do closet. Escuto a risada de Marcela, até que um "pô" discreto da parte de Matheus a faça recompor a postura. Eu então levo as mãos a cintura e sigo me questionando o que fazer — já que cancelar a passagem, infelizmente, não me parece uma opção.
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Imprevisivelmente, seu | Ricelly Henrique
Roman d'amourTudo começa de maneira casual: uma brincadeira descontraída e despretensiosa para ambos. Estela não tem a intenção de levar a menção de Henrique a sério, apesar do nível de seriedade dele, mas quando a situação se torna mais complexa e dramática do...