Era um dia frio, gelado para dizer o mínimo. Os raios solares atravessam as grandes janelas, iluminando o chão de pedra. Henry suspirou, a fumaça se esvaiu entre seus lábios gélidos. Tudo estava quieto. Nem se quer a melodia de um pássaro, ou o som dos pneus de um carro relinchando contra as pedras da estrada.Nada. O vazio completo.
Era assim que a igreja e Henry estavam, vazios. Solitários, incompletos.
Um rangido baixo ecoou pelo ar, madeira arranhando pedra. Uma cabeça apareceu na fresta da porta.
"Pode entrar, Félix." Henry ofereceu um sorriso.
"Obrigado, padre." O jovem disse se aproximando, e se sentando ao seu lado.
Félix se inclinou para ele, os cachos caindo sobre os olhos verdes escuros. Um sorriso doce entre as bochechas.
"Como está hoje?"
"Bem. Graças a Deus." Henry disse tirando o cigarro da boca, em um tom levemente mais alto que um sussurro.
"Está frio aqui, por que não foi para a cabana?" Félix esfregou as mãos.
"Não quero ficar lá com os ratos." Henry suspirou, passando a mão pelos cabelos.
Na verdade, ninguém queria. Ninguém queria voltar para casa. Ultimamente os ratos tinham dobrado de tamanho e quantidade, não tinha sequer um lugar onde não estivessem. Acabaram com os estoques de comida, devoraram os móveis de madeira. E havia relatos de crianças sendo comidas vivas.
"Me pergunto se Deus está nos castigando.." Félix suspirou, olhando para o chão.
As pupilas de Henry dilatam, os olhos azuis cinzento disparando para o rosto do jovem. Félix tinha a pele parda, cabelo cacheado e brilhoso, olhos verdes como a floresta. Sorriso amável. Assim como o de Betty.
"Talvez." É a única coisa que Henry diz, antes de acariciar o rosto de Félix com as costas da mão. Como era possível? Ter a pele tão bem cuidada... carne tão macia, ansiava por toca-lo. Ele deveria ser um vampiro... ou Deus tinha seus favoritos. Mesmo assim, depois de tudo que fez com ele, Félix continuou vindo à igreja. Implorando por orações, oferecendo favores. Até protestou quando Henry disse que venderia o terreno.
Por quê? Bom. Ele poderia ser um jovem adulto de 23 anos, mas tinha o corpo e alma de um adolescente de 16. Era ingênuo demais... puro demais.
"Félix, tenho uma pergunta." Henry disse olhando para o fundo de seus olhos.
"Pode dizer, Padre."
"Por que você ainda vem?" Henry jogou o cigarro no chão, a chama sumiu lentamente.
Félix olhou para o chão, talvez estivesse incomodado pela pergunta repentina.
"Oras.. porque sou um homem fiel ao Senhor, caberia eu não vir ao lar de Deus?" Félix sorri, o sorriso falhando.
Henry dá uma risada. Aquilo deixou de ser a casa de Deus desde que aquela garotinha tinha sido pendurada no teto. Henry o olha com os cantos dos olhos, um sorriso se formando em seus lábios secos.
"Pode me fazer um favor?" Henry sussurra.
Félix estremece, as mãos vão para os bolsos.
Ele já sabia oque Henry iria fazer. Sabia a dor que iria sentir e que viria depois. Mas engolia sem reclamar, se quer dava um pio. Ficava calado, aceitando seu destino como um cão sendo sacrificado.
Sabia que Henry tiraria sua fé vez ou outra, torceria seu corpo perfeito até a última gota de pureza.
Talvez ele soubesse que gritar e chorar não iria adiantar.
E quem iria acreditar nele?
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A Igreja Dos Ratos
HorrorCrianças são seres enigmáticos. Com suas mentes incompreensíveis, sempre com suas perguntas sem nexo. Mas, é possível que uma criança saiba que ela é um monstro? Que saiba da descrença humana e de seus feitos que mancham a terra com o sangue inocent...