Johnny

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Após se rastejar por aquelas ruas fedorentas, ele chegou em sua atual moradia. Uma pequena casa de campo, a alguns quilômetros da igreja.

Uma casinha pequena, caindo aos pedaços, as trepadeiras roxas subiam pelas paredes brancas, os arbustos atravessavam a cerca de madeira podre. Algumas plantas suspeitas brotavam nos degraus. Uns gnomos de jardim eram engolidos pela vegetação.

Henry atravessou a floresta que era seu jardim, girou a chave na fechadura. A porta emperrou, mas nada que um chute não funcione. Jogou o casaco no chão, estalou as costas.

A casa estava mais sombria do que o bar.

A cozinha e a sala eram conectadas. Na parte da cozinha, tinha uma geladeira que constantemente fazia um barulho irritante, alguns armários sem porta, panos e produtos de limpeza saltavam das gavetas abertas. A pia cheia de louça suja, e algumas larvas se alimentavam da comida mofada no fundo de alguns pratos.

Na sala, uma TV tubo, de no máximo 14 polegadas ao lado de um sofá. Que um dia foi de couro, mas que agora se descascava assim como a pintura das paredes. Embalagens vazias e latas de cerveja espalhadas pelo carpete manchado. Pacotes de medicamentos jogados de qualquer jeito em uma mesinha de centro, sem uma das pernas. Posters de bandas antigas e de filmes pré-históricos espalhados pelas paredes.

Henry suspirou, inalando o cheiro de cigarro e bebida que emanava do local. Ele foi até o balcão da cozinha, puxou uma das gavetas, que estava cheia de panos. (surpreendentemente limpos e dobrados.) Henry estalou a língua, tateou o fundo da gaveta em busca de algo.

Ele revirou e enfiou a mão ainda mais fundo. Um gritinho baixo, e um pedaço da ponta de seu dedo é arrancada.

Henry grunhiu, mais por surpresa do que por dor.

Um rato gordo saiu debaixo dos panos, e sumiu entre os pacotes vazios no chão.

"Roedor filho da puta.." Henry xingou, chupando o sangue que pulsava do dedo ferido.

Esses pestinhas realmente estavam em todo lugar. Alguns diziam que a peste negra iria voltar, outros falavam que era a natureza retribuindo.

E é claro, os "fiéis" diziam que Deus pretendia limpar as pessoas ruins, e deixar as boas.

Mesmo que no fundo, ninguém mais acreditasse que um cabeludo criou seres humanos de barro.

Milhares de guerras, de mortes e de descriminalização. Para no fim, o todo poderoso não se dar ao trabalho de parar isso.

O inferno se tornou um conto popular para as crianças. A maldade humana chegou a um nível, que mesmo que Deus quisesse, não poderia mais nos converter com ações bondosas. Os humanos estavam revoltados, protestavam, indagavam, mas no fim acabavam com um tiro na testa. Políticos latiam promessas falsas, o governo observava com um pacote de pipoca e uma lata de cerveja.

Eles estavam no fim do mundo. E nem percebiam. E mesmo que percebessem, não poderiam mudar em nada. Alguns já previram oque aconteceria, e se jogaram de pontes.

Henry olhou a gaveta, e puxou uma caixinha vermelha, bem escondida entre os tecidos. Pegando seda e o necessário. Enrolando seu cigarro enquanto pensava sobre futuros discursos fúteis.

Enfiando o cigarro entre os lábios. Sentindo a nicotina entrar em seu cérebro e revirar seus pensamentos. Ele olhou o dedo que ainda sangrava.

"Da onde esses merdinhas estão vindo?..." Henry murmurou para si mesmo, se jogando no sofá e apoiando os pés na mesinha manca.

Ele observou o teto, a fumaça o envolvendo como os braços de um pai. Seus olhos vagaram preguiçosamente até a parede mal pintada, as pupilas dilatando, mergulhando na sensação da droga. Seus músculos ficam flácidos, a respiração lenta, seus olhos pregados em um pôster velho.

Sua visão ficou turva, as pálpebras pesadas, os pensamentos embaçados pela fumaça.

Pequenos ruídos, quase inaudíveis. Gritinhos agudos, como um bebê implorando por oxigênio.

Henry abriu as pálpebras, vendo o roedor sentado em seu abdômen. As orelhas arredondadas apontando para cima, os bigodes longos e reluzentes, e os olhos sombrios.

Henry não se mexeu. Apenas observou o animal, que parecia esfaquear sua alma com seus olhos negros.

Com movimentos lentos e cuidadosos, ele moveu suas mãos até o animal, os dedos se entrelaçaram com os pêlos cinzentos.

E assim foi, segurando o pescoço do rato, sentindo o ar escapar de seus pulmões.

As pernas e os braços se debateram, a boca aberta, liberando um uivo doloroso, que veio das profundezas de sua garganta apertada.

Um estalo baixo, um crack familiar. O corpo tombou em sua barriga.

Assim como seu filho.

Henry jogou o rato pro lado, se levantou e enfiou o bicho em uma sacola de lixo. Ele olhou para a janela. Estava começando a escurecer, pintando o céu de laranja e rosa, salpicado com pequenas estrelas brilhantes.

Esse era o lado bom de morar em uma cidade rural. Não tinha prédios ocultando o céu, não tinha vendedores o atormentando como moscas, não tinha bêbados lutando por uma garrafa quase vazia. E muito menos grades para impedi-lo.

Mas como tudo na vida, tinha suas desvantagens. Barro impregnado na sola de seus sapatos, cheiro de esterco invadindo suas narinas, e é claro. As fofocas. Desde risadas acaloradas por álcool, a murmurinhos em um funeral.

Mas ele não tinha culpa. Foi abraçar seu pequeno Johnny, de cinco meses, e sem querer quebrou seu pescoço!

Talvez ele tivesse um pouco de culpa. Ter engravidado uma mulher ainda jovem. Disse ele, entre as lágrimas de crocodilo e um sorriso falso, que um novo Jesus crescia no ventre da garota.

Mas quem iria discordar de um padre?

Quem iria denunciá-lo ao vê-lo enterrando seu filho no jardim de casa?

A Igreja Dos RatosOnde histórias criam vida. Descubra agora