Olho De Vidro

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Suspirou, os fios dos cabelos caindo sobre seu rosto ensanguentado. Levantou a cabeça, enjoado de encarar o chão. Os raios de sol caindo em suas costas doloridas. Mancava no cantinho da estrada, os sapatos arrastando no concreto.

Parou de repente, se virou. Um sorriso se formou.

Seguiu pelo caminho estreito até a pequena casa em meio ao trigo seco.

Era no mínimo pré-histórica. Madeira desgastada pelo tempo, tinta descascando, e janelas quebradas. Aparentava desabar a qualquer segundo, já que apenas o vento passando pela estrutura causava rangidos. Ao fundo, era visível uma garagem inclinada para o lado, como se quisesse espiar algo. Tábuas eram bem pregadas às portas, mesmo a janela do segundo andar estando aberta.

Sem perder tempo, correu desajeitadamente até a casa. Deu três batidas na porta, e sem resposta, chutou a madeira podre que rapidamente tombou. Olhou maravilhado para a mobília intacta. Aos candelabros em que se estendiam finas teias de aranha, e aos móveis que uma grossa camada de poeira cobria. Perfeito.

Olhou os quadros, alguns tortos, uns quebrados, e outro que nem se quer estava lá, mas deixará uma mancha clara na parede, informando que em algum momento, esteve ali.

Se sentou no chão lentamente, aos poucos relaxando o corpo, espalhando os membros enfraquecidos pelo piso frio. Inalando o cheiro de podridão, mas além de tudo, da memória.

Soltou um silvo baixinho, levantou a mão até seu rosto, abriu uma das pálpebras, e com dois dedos retirou o olho esquerdo. Resmungou algo, colocando o olho de vidro ao seu lado.

Espirrou. Droga de poeira.

Se deitou mais confortavelmente. Aninhado nos próprios membros como um cachorro.

Sentiu o sono lhe levar lentamente. E o desconhecido que arrancava a alma de seu corpo e jogava na terra dos sonhos.

O além lhe embrulhou em uma coberta de conforto, enquanto a Memória cantarolava em seu ouvido. Riu baixinho.

Por que acordar? Ele poderia ter tudo oque quiser aqui, tudo. Mesmo tendo a sensação de que tudo só fosse seu cérebro tentando o fazer se esquecer que a humanidade existe.

Oh, não. E lá vai ele de novo.

Se perdendo nos caminhos da mente, entrando em corredores sem saídas, em lugares que não deveria colocar os pés tão cedo.

Estremeceu, fez uma careta. Os nervos se contorcendo, as pontadas de dor que sentia nos músculos tensos.

Nas sensações que novamente revivia.

"Vamos, caipira de merda. Como pretende pagar meu carro?" O sorriso do garoto era maligno.

"Este merda realmente não fala, hum?" Disse o outro.

"Sabe quanto custou a porra daquele vidro? Sabe?" Disse o sorridente, puxando os cabelos do garoto para que se olhassem.

"Seu irmão não está aqui para te proteger, caipira." Completou o outro.

"D-d-d-e.....scul...p-a." Juntou todas forças que tinha para tentar se comunicar, mas sua voz era rouca e fraca.

"Olhe só, está grunhindo como seu amiguinho porco." Ambos riram.

Sorridente o empurrou, fazendo cair de joelhos nas pedrinhas da estrada. Choramingou baixo.

"Olhe só, se me chupar posso pensar na possibilidade de não te matar." Sorridente disse se aproximando.

Não, ele não queria isso. Ele apenas estava protegendo seu amigo.

Sorridente o puxou pelos cabelos novamente, dessa vez, para que o garoto se aproximasse.

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