Algumas horas se passaram.Henry apertou seu cinto no lugar, ajeitando as calças na cintura. Seu corpo era alongado e magro. A pele pálida e gelada como de um cadáver. Veias azuis saltando por suas mãos e pés, os ossos deixando marcas sobre a carne fina.
Henry se olhou no espelho rachado. Uma fileira de pequenas rugas ao redor dos olhos, olheiras profundas, que realçava seus olhos quase cinzas. Cabelo grisalho e negro, começando a ficar branco.
Henry grunhi. Já não tinha mais seus dias de glória.
Ele alisou o próprio abdômen, passando a ponta dos dedos pela cicatriz da facada.
Ele sorriu sem sequer perceber.
Lembrava das lágrimas de Félix. De seu olhar determinado, enquanto pressionava a lâmina contra seu estômago em um ato raivoso. Al que o lembrava vagamente de seu irmão.
Mas ele não durou muito. Seu rosto se fechou quando percebeu que a faca tinha sido tirada de suas mãos, quando notou a falta de expressão no rosto do padre.
De certa forma, Henry se sentiu orgulhoso.
Foi a única vez que ele tentou se defender, que tentou acabar com tudo, do jeito mais carnal. E depois do ocorrido, continuou a ser o cachorro que ele era.
Aceitando ordens, se lamentando por não ter feito nada. Henry coloca uma camisa Polo branca, e lava o rosto. Ele não era assim, nunca foi.
Félix finalmente saiu da cabine do banheiro, seu rosto sombrio, os olhos vazios e os lábios contraídos em uma linha reta.
"Vou almoçar com minha mãe hoje." Seu tom é sem vida.
Ó céus. Como ele amava isso. Parecia que todo santo dia ele matava um garoto no banheiro da igreja. E ele sempre voltava, talvez ele fosse masoquista, ou só fosse doente.
"Bom almoço." Henry sorriu.
Félix se veste e sai sem responder, muito menos se despedir. Mas aí ele já queria demais.
Talvez ele se sentisse culpado. Ou talvez simplesmente não ligasse pra nada. Mas qual o problema? Seu cérebro já havia sido devorado por larvas chamadas preocupações a décadas.
Henry suspirou baixo.
Ele se olhou no espelho novamente, o vidro manchada, as bordas encrostadas por uma fina camada de uma massa gosmenta.
Refletindo não só o Padre, mas ao sangue que pingava entre os azulejos brancos.
Foi você, não foi?
Henry enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans e saiu da igreja. Segurando seu colarinho, enquanto atravessou a rua sem movimento.
Chegando a um bar, que com certeza já tinha visto dias melhores.
Empurrando a porta, ele é surpreendido (ou não) pela má iluminação do estabelecimento. Tinha algumas mesas iluminadas por lâmpadas bêbadas, que de vez em quando piscavam e acendiam. Verdadeiras guerreiras.
Henry se sentou em uma mesa, na que parecia mais iluminada e agradável. Ele olhou para os lados, não demorou muito para uma garota chegar. Cabelos loiros presos em um rabo de cavalo frouxo, olhos claros, e um vestido que ia até os joelhos. O lançou um sorriso.
"O de sempre, Senhor?"
"Sim. Por favor." Henry respondeu rapidamente, se recostando na cadeira.
Senhor. Esta simples palavra sooa casual. Mas que o lembrava de que estava velho.
Agora, ele não era mais tão jovem. O cabelo preto brilhante ficava fosco, e ia se misturando com as cores cinzas e brancas. Que os traços perfeitos de um deus, que faziam jovens ir a igreja apenas para ver seu rostinho bonito, estava criando rugas e ficando murcho como uma uva passa.
Mas os olhos... Os olhos profundos que devoravam sua alma com uma mordida esfomeada, permaneciam intactos.
A mulher sumiu atrás do balcão. Henry olhou os lados, vendo se tinha mais alguma alma viva ali.
E quem poderia imaginar que realmente tinha. Bem aqui, neste bar de esquina, esquecido pelo tempo, mas visitado por almas solitárias, ninguém o conhecia. Ninguém sabia de seus feitos ou desfeitos. Ele era um ninguém, junto com outros de sua espécie.
A algumas mesas a frente, um homem choramingava entre os goles de cerveja, batendo os punhos fechados na mesa, como se negasse algo.
Mais ao longe, um casal jovem. Mas os rostos cansados de forçar sorrisos, cada um com uma coca diet e adornados pela inquietação.
A mulher voltou, trazendo vinho. Vinho barato.
Mas que faria sua cabeça se concentrar no sabor horrendo e não em outra coisa. A mulher ainda estava do lado da mesa, esperando um agradecimento... talvez até o pedido do seu número de telefone.
Ele não podia negar. Ela era bonita, mas não o suficiente. Ela havia ultrapassado os padrões de beleza dele, mas ainda era bonita.
"Mais alguma coisa, Senhor?" Ela sorri, esperando que ele pedisse mais algumas garrafas de vinho como de costume. Mas hoje ele estava mais atento.
"Traga-me a conta." Henry disse tomando um gole do vinho, mascarando uma careta com um sorriso de canto.
A mulher franziu os lábios, traços de velhice se revelando em volta da boca. Bingo.
"Tudo bem." Ela disse voltando a sorrir.
Ele sabia. Poderia ser bonita, mas era carne velha. Cobria as rugas e manchas com maquiagem pesada, usava vestidos longos para não mostrar suas estrias. Mascarava os traços com um sorriso doce. Henry toma um gole maior.
Ele queria carne nova. Macia e quente. Como aquelas de comercial, que fazem a saliva escorrer da sua boca. Que faz seus dedos tremerem de antecipação. Que faz você desejar enfiar um naco de musculosos na boca, uma mordida lenta, sentir a carne ser despedaçada por seus dentes. Engolir o sangue escaldante que escorre da sua boca e mancha sua camisa. Se engasgar naquele saboroso pedaço de tentação.
Henry tomou outro gole. Deixou uma nota embaixo da taça pela metade. Se levantou e saiu.
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A Igreja Dos Ratos
HorrorCrianças são seres enigmáticos. Com suas mentes incompreensíveis, sempre com suas perguntas sem nexo. Mas, é possível que uma criança saiba que ela é um monstro? Que saiba da descrença humana e de seus feitos que mancham a terra com o sangue inocent...