De volta ao trabalho no dia seguinte eu repeti minha rotina com a cabeça um pouco mais leve. O que não adiantou muito, tendo em vista que eu voltava a cometer os mesmos erros do dia anterior. Aquilo tinha um efeito terrível em mim... A frustração me subindo à cabeça já me rendia uma ansiedade que me queimava o estômago e dava um nó em minha garganta.
"Erro na linha quatro. Erro na linha vinte. Erro na linha trinta e cinco."
Erro. Erro. Erro... Que inferno! Por que eu não estava mais acertando?
A impaciência gritava e eu tentava manter a calma; respirava fundo enquanto beliscava o meu almoço sem a mínima vontade de comer. Eu tinha a plena certeza que meu chefe viria em algum momento para saber o que estava acontecendo comigo... Não era normal, nada estava certo, e eu não podia consertar. A impotência caiu impiedosa sobre mim.
Eu, fadado ao fracasso no meio do caminho.
Meu expediente da tarde correu relativamente bem apesar dos erros. Reuni minhas coisas e parti para casa com a cabeça cheia –de bônus, a dor. Fiz o caminho todo de volta com vontade de me esparramar pelo sofá e ficar por ali mesmo até que todo esse pesadelo acabasse.
E foi isso que eu fiz ao chegar: abri a porta, deixei os sapatos pelo corredor, joguei minhas coisas pelos cantos da parede, e por fim me enterrei no sofá de almofadas bem afofadas. Gemi alto contra o encosto, tanto pela dor quanto pela frustração de mais um dia onde a derrota decidiu fazer morada em mim.
-Você está bem, John?
A voz inconfundível de Paul abraçou o ambiente da sala como um gole de chocolate quente num dia frio.
Eu havia esquecido dele dentro de casa mais uma vez. Quando eu iria me acostumar? Não demoraria muito... Eu me virei devagar para responder:
-Nada bem, Paul. –Apertei os olhos. –Essa dor de cabeça me consumindo...
-Ah! Espere um momento.
Ouvi os passos quase silenciosos de McCartney indo até a cozinha, demorando uns segundos e voltando novamente à sala. Tornei a abrir os olhos quando ele me chamou em tom baixo:
-Tome isso, John. –Ele segurava aspirinas e um copo com água. Eu me ergui sem muito esforço, mas garantindo mais uma careta para o pobre rapaz.
-Agradeço muitíssimo, Paul. Desculpe-me pela situação.
-Sem problemas. Ajudar nunca é demais. –Ele sorriu enquanto eu tomava alguns poucos goles de água depois de tragar os compridos na velocidade da luz. –Se quiser eu posso auxiliar com uma massagem. Sempre faço movimentos específicos quando minhas dores aparecem.
-Não se incomode, Paul. Você já fez até demais até aqui.
-Não seria incômodo algum, John. E eu lhe deixo a garantia: se não melhorar em cinco minutos você pode descontar algumas libras no meu pagamento.
-Isso foi motivador. –Sorri sentindo as têmporas latejarem. –Bem, acho que uma massagem não vai me matar. Então... Como vai fazer isso?
-Deite-se no chão. O sofá tende a afundar seu quadril, e eu preciso apenas dos seus joelhos levemente flexionados. Eu pegarei algumas almofadas.
Fiz o que me foi pedido e me estirei pelo chão, rente ao sofá.
Paul acomodou almofadas abaixo dos meus joelhos e também da minha nuca. Em seguida ele se prostrou acima da minha cabeça. Eu mal consegui enxergá-lo graças à turva visão que a dor me proporcionava. Retirei os óculos e esfreguei os olhos em protesto.
VOCÊ ESTÁ LENDO
76 Trilhões de milhas - Mclennon
FanfictionAcostumado há anos com sua rotina de vida e trabalho, John Lennon pensou que sua existência seria apenas a repetição exaustiva de seus horários dia após dia. Ele só não contava com um golpe certeiro do destino, este que ele tanto recusava acreditar...