A verdade

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Ele foi meu paraíso durante mais oito dias. E nesses oito dias nós realmente fomos felizes.

O que eu aprendi sobre ele depois de tudo foi algo valioso demais. Passei a enxergar o mundo com seus olhos; suas vivências, sonhos e desejos, aquilo que eu considerava seu tesouro pessoal. Eu escutava cada sentença proferida atentamente, cada marcante palavra; também assisti de perto cada sorriso seu ao contar de suas aventuras e desventuras. A tão pouca idade já escondia tão muita vida...

Nunca pensei que aqueles momentos seriam tão breves...

Ele ao voltar para mais um dia de trabalho, e também para os meus braços, uma coisa no meio daquela nossa adorável rotina me chamou a atenção: a mochila vermelha que comumente ele trazia consigo havia ganhado uma tonalidade diferente, além de uma certa peculiaridade em suas costuras. A questão da cor poderia ser apenas um simples detalhe associado a algum produto químico em uma lavagem, exceto pelo fato de que definitivamente não era a mesma mochila do dia anterior. Idêntica, mas não igual. Achei curioso num primeiro momento.

Foram só segundos pensando nisso até estar embriagado pelos beijos dele novamente. E ao perder a noção do tempo e espaço, simplesmente deixei as indagações para depois. Na verdade, confesso que eu gostaria de tê-las esquecido...

Fizemos amor como se fosse o fim, como se fosse o último dia de nós dois sobre a terra...

Foi ainda mais lindo, sublime, singular. Assim como ele sempre foi para mim.

E eu, depois de tudo, desmanchei tudo que construímos em uma sucessão de ações erradas que iniciaram com uma simples pergunta ao fim do dia:

-Você comprou a mesma mochila? -Aninhei-me próximo a ele.

Senti seu coração acelerar por um instante com a pergunta que eu havia feito. Meus olhos saíram em direção aos dele.

-Sim... - Com ar divertido ele sorriu em surpresa. -Como você...?

-Os bolsos da sua mochila não têm a costura em zigue-zague...

-Você é mais observador do que eu imaginava, John.

-Para trabalhar esses olhinhos precisam funcionar bem.

-Pois eles estão ótimos. -Senti-o disfarçar certo incômodo ao desconversar. -Bem, eles estão prontos para me auxiliar lá na cozinha hoje?

Notei que havia algo errado ali. Verdades não geram desconfortos. Fui testemunha do que parecia ser uma pequena mentira, uma inverdade que me tirou o sossego das semanas anteriores. Eu procurei sorrir em concordância, evitando qualquer conflito, mas me encontrava de confiança abalada naquele exato momento. Afinal, o que mais poderia estar escondido atrás de uma mentira?

-Sim, claro... Com certeza... -Retruquei tentando não transparecer meu desagrado com o presente fato.


Conversamos sobre outras coisas durante o preparo do jantar. Tínhamos mais um tempo juntos antes dele ir para o compromisso com a loja de eletrônicos no centro da cidade. Mas, naquela mesma noite, depois que ele havia cruzado a porta, tomei a terrível decisão de fazer o mesmo trajeto que ele até seu segundo trabalho. Eu não estava orgulhoso e muito menos calmo diante das minhas deliberações frente àquele cenário. Sendo franco, eu nem ao menos deveria ter duvidado dele, mas por não ter entendido tão bem o amor, me deixei levar pela irracionalidade do sentimento: a parte da qual eu deveria ter aprendido a fugir.

Em um breve planejamento eu iria segui-lo até onde supostamente seria seu local de trabalho, a dita loja de eletrônicos. Com sorte eu conseguiria manter a distância certa para não o perder de vista.

76 Trilhões de milhas - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora