Nossos dias juntos foram poucos -assim como antes da nossa última separação- mas soubemos administrar maravilhosamente bem até o último segundo. Ao fim de alguns dias mais parecia que havíamos começado até uma nova vida em outro lugar. Na verdade cada dia foi uma vida diferente, e continuou sendo. Até hoje digo isso a ele em algum momento do dia, e recebo em troca os mais iluminados sorrisos.
Eu saí o amando mais do que na sua chegada, do que todas as chegadas. Parecia que a saudade que ficava ao saber de cada ida me fazia querê-lo mais do que podia ser possível; depois de um tempo considerável de vida, aprendemos que as perdas tendem a causar tal efeito.
Depois de quinze dias sem ele, recebi uma carta sua dando-me notícias de que havia tomado uma difícil decisão junto ao seu irmão Michael: após muita desavença eles decidiram dar o merecido descanso à sua mãe, que por anos viveu sob cuidados e seguia em seu estado inalterável. Não havia mais nada que pudessem fazer para reverter aquela situação, e manter uma casca vazia apenas como referência para memórias que aos poucos desapareciam, seria inútil.
Lamentei profundamente e por muito tempo aquilo, às vezes sentindo amargamente minha impotência perante ao fato. Queria poder ter ficado ao lado dele segurando sua mão dando todo o suporte para lidar com tudo, mas ele mesmo deixara escrito que não era seu desejo compartilhar tão específico momento, e que o luto seria um processo sem prazo de validade.
Assim, ao passar de um mês, ele bateu em minha porta novamente. Carregava consigo a mesma mochila, o mesmo par de tênis e seu macacão, apesar de amadurecido sorriso em seu semblante.
-Espero que não tenha marcado viagem alguma para este fim de semana. -Disse-me numa tentativa de distração.
Sorri contido e me apoiei pela porta. Se eu ainda estava pesaroso, ele não poderia estar diferente.
-Você está bem?
E em um breve silêncio eu pude ver seus olhos marejarem e seu sorriso se desfazer em quase choro. Sua resposta foi um balançar de cabeça em negativa, e então saí em seu socorro, apressando-me para tomá-lo em meus braços em um abraço apertado. Disse-lhe algumas palavras de conforto e o trouxe para dentro.
Cuidei dele mais uma vez pelos dias que se sucederam, e como sempre, meu trabalho era o de menos. Todo meu tempo e esforço seriam para ele, e assim cumpri. Nossos diálogos breves se equilibravam para que a saudade não machucasse, mas nossas ações ajudavam a preencher as lacunas, e falavam mais do que o necessário, derramando carinho e respeito.
Com a nova rotina ele melhorava aos poucos ao mesmo tempo que falava mais. Seu sorriso já brotava tímido, lindo, até desabrochar na mais completa iluminação. Era forte, e sendo sincero, acho que essa era a sensação que as minhas plantas tinham ao ter diariamente o beijo do sol. Se para elas a gigante estrela era suas vidas, para mim ele não era menos diferente.
As memórias que outrora rendiam momentos profundos de reflexão, eram relembradas agora como belos momentos eternos, filmes intermináveis de uma sessão de um só espectador. Seus movimentos pela casa, uma vez limitados ao quarto e a sala, agora preenchiam cada espaço com pitacos sobre as cores da parede e a disposição dos móveis. Fui chamado de teimoso todas as vezes que deixava o abajur na outra mesa, vejam só! Não contem para ele, mas eu mudava o objeto de lugar propositalmente só para ouvi-lo me repreender graciosamente.
Seus carinhos também já me chamavam para mais perto e seu corpo se convertia novamente na mais completa brasa. Mas eu o tomei com cuidado, porque sua brasa bem conduzida se tornava um incendiar desvairado, onde eu também queimava em luxúria.
Tantas vezes me fiz devoto dele que renasci numa versão melhorada; em corpo e alma eu sentia mais do que todos os dias anteriores. Ou teria sido o surgir gradativo de um eu que sempre existiu?
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76 Trilhões de milhas - Mclennon
FanfictionAcostumado há anos com sua rotina de vida e trabalho, John Lennon pensou que sua existência seria apenas a repetição exaustiva de seus horários dia após dia. Ele só não contava com um golpe certeiro do destino, este que ele tanto recusava acreditar...