O percurso

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Sentados naquele sofá, lado a lado, escutando nada exceto o farfalhar das folhas ali próximas, nossos olhares dançavam pelas nossas faces minuciosamente. Cada um de nós parecia contar uma história a cada pedacinho visto. Ah... E eu sem saber tinha tanto pra falar...

Eu não fazia ideia do que ele pensava de mim, mas depois daquele pequeno ato íntimo só poderia ser algo bom. Queria eu ter tido a mesma coragem para lhe retribuir devidamente, só que eu me percebi numa situação nada ética.

Encolhi meus lábios por um instante, e ao acariciar seu rosto como quem iria dar uma triste notícia, eu me virei o suficiente para pegar a manta que estava sobre o encosto do sofá. Fiz questão então de cobri-lo para que sua nudez não ficasse exposta por tanto tempo. Ele me olhou confuso e consternado; talvez tivesse entendido tudo com aquilo.

-John... -Sua voz saiu aflita.

-Não podemos fazer isso. -Interrompi de pronto, ainda assim medindo todas as palavras. -Temos uma relação totalmente diferente aqui, Paul. -O que eu estava prestes a dizer iria doer mais em mim do que nele. -Você é meu ajudante. Não pode ser nada mais que isso, você me entende?

-Por favor, não me mantenha longe. Não de novo. -Sua voz saiu fraca.

-E-Eu sinto muito...

-Isso é medo, não é? -Seus olhos tristes pediam uma explicação.

-Não, Paul. -Comecei pesaroso. -Nós só não podemos fazer isso. Você não vê o quão delicado é ter uma relação assim?

-E você não vê que tudo o que envolve sentimento é diferente? Não tem nada de delicado, John.

-As coisas não funcionam assim. -Suspirei desoladamente preocupado.

-Então eu me demito,hm? Se é isso que te preocupa, não serei mais seu ajudante. -Ele carregava um fio de esperança. -Seremos duas pessoas que se conheceram por aí em algum momento.

-Não posso... -Meneei a cabeça.

-John... -A forma suplicante que chamava meu nome deixava tudo mais difícil.

-Somos diferentes, muito diferentes. Veja: as minhas mãos, meu cabelo, meu rosto, tudo marcado pelo tempo. O que você iria querer de alguém como eu a não ser dar uma ajuda em troca de um salário?

-O que eu quero de você é o que já tem me dado durante todo o tempo em que eu estive aqui: amizade, atenção e carinho. -Suas mãos seguraram as minhas. -John, como pode ser tão inteligente e não perceber isso?

Talvez eu custasse em ver o óbvio...

Apenas abaixei a cabeça e olhei para as nossas mãos, dedos entrelaçados; olhei o tempo que nos separava e percebi que seria um erro deixá-lo ir por isso ou por qualquer outra coisa. Meu coração acelerou com a dor da possível iminência da separação.

-Eu não quero que vá embora. -Meu olhar medroso se voltou para suas íris surreais.

Esvaindo todos os meus receios ele se aproximou para mais um beijo. Primeiro um simples toque, como fora o primeiro, me presenteando com um pulso de calor que me deixou desperto; eu mirei seu rosto uma última vez antes de fechar meus olhos; em seguida pediu permissão ao abraçar o meu lábio inferior com os seus. Macios...

Minha boca entreabriu e essa foi a sua deixa.

Senti sua respiração quente de encontro com a minha, antecedendo nossas línguas, que apresentadas pelas primeira vez, brincaram desajeitadas até se verem enroscadas numa conversa lenta e silenciosa sobre satisfação.

O som daquele beijo... O som de lábios estalando, respirações mais fortes a cada segundo, línguas travessas, de certa forma perigosas; o gosto que ele tinha... Eu me lembro tão bem... E tão bem me recordo que eu parei tudo por um ínfimo momento para ver o seu semblante.

Ébrio de um recém conhecido prazer ele me falou em um sussurro rente à minha boca:

-Se você me quiser eu não vou embora.

Minha resposta foi tê-lo puxado de volta pela nuca para outro beijo. Como agradecimento ele tomou a maravilhosa liberdade de se erguer o suficiente e sentar sobre as minhas pernas num enlace fatal, ficando assim frente a frente comigo.

A manta que o cobria escorregou pelo chão, dando-me a absoluta visão dele mais uma vez. Eu fiquei completamente desorientado e só não paralisei porque ele voltou a me prover mais vida com seus beijos quentes.

Minhas mãos tocaram muito mais daquela fina arte -que fazia de mim, um então pobre iniciante, alguém digno de um inédito contentamento. Partiam das suas ancas, passando pelas nádegas e indo até as costas, fazendo o caminho de volta e trilhando novamente com todo o cuidado que deveria ser.

Foi o princípio do percurso da luxúria...

O início, bem depois de perceber que eu queria ir ainda mais longe.

76 Trilhões de milhas - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora