Fiquei trêmulo quase que instantaneamente com aquele primeiro contato nosso.
Enquanto pensava no que dizer, senti meus passos sendo executados de forma desengonçada e meu queixo bater como se fosse um terrível dia de frio. Tratei de ficar próximo às paredes caso eu perdesse o equilíbrio das pernas e olhei para todos os lados numa leve desorientação. Eu não sei como meu coração aguentou àquele dia.
As portas duplas da sala estavam escancaradas, e ao entrar lá me senti um tanto mais aconchegado. Era um escritório, que se passava muito bem por uma mini biblioteca, com seus três lados ocupados por estantes gigantes cheias de livros graúdos e alguns enfeites sofisticados, e a quarta parede com uma gigantesca janela que dava vista aos jardins titânicos que um dia foram do senhor Grenny. No chão, uma finíssima tapeçaria; ao redor, móveis de madeira antiga lustrosa com entalhes primorosos, que facilmente teriam mais de cinquenta anos e custariam minha casa umas quarenta vezes mais. O senhor Grenny tinha bom gosto.
Ainda meio trêmulo me acomodei em uma das poltronas e em poucos segundos estava de pé novamente. Esperei dessa forma: sentando e levantando. Sempre pensando.
Primeiramente me atentei às mudanças naqueles sete meses que nos separaram. Ele estava com um ar diferente, como se tivesse ganhado anos de sabedoria enquanto eu havia parado no tempo. O cabelo dele também havia crescido, estava meticulosamente penteado para trás, dando-lhe um ar mais austero do que qualquer senhor mais velho que eu. Entretanto, estava lindo, encantador -apesar do semblante cansado que de certo tinha algo a ver com a festa- o que rapidamente me fez lembrar do tratamento que lhe fora dado mais cedo. Senhor McCartney...
Não me ative demais àquilo. Eu tinha outras coisas para pensar, mas naquele ritual de sentar e levantar eu não sabia exatamente o que falar além do que eu já havia dito há pouco tempo a ele, mas carregava comigo a certeza de que falaria tudo que fosse para que pudéssemos ficar juntos novamente. Depois daquele encontro, sabendo que ele estava tão próximo, eu não poderia deixa-lo ir, e muito menos conseguiria viver sem ele caso houvesse se esquecido de mim.
Foi pensando no possível fim do amor dele que ideias terríveis de um abandono -que nem sequer fora concretizado- trataram de me manter em distração suficiente para fazer o tempo passar. A hora se passou em um piscar de olhos, e quando dei por mim, lá estava ele.
Ao vê-lo cruzar a porta eu me levantei imediatamente. Ele tomou distância da entrada com um semblante inquieto, mirando-me de maneira instável, como se suportasse as dores do mundo em suas costas, e parou a alguns metros de mim. Quase tomei a frente na fala, mas ele foi mais rápido:
-Você tem meia hora.
Eu estava prestes a inundá-lo de palavras no mesmo instante, mas me contive ao assistir àquela cena. Ele parecia não querer estar ali, e a mágoa me era bem visível. Era impossível que não fosse por tudo aquilo que eu havia feito. Senti um pesar enorme em seu olhar perdido e contive toda a minha ânsia para dar lugar a alguma conversa que me rendesse ao menos um sorriso por parte dele.
-Nem pude acreditar que te encontrei. -Suspirei em um sorriso rápido. -Desculpe-me o nervosismo, eu francamente não esperava te ver, apesar de ter continuamente sonhado com o nosso encontro dia após dia.
-Dizem que até as pedras se encontram... Pelo visto há uma verdade nisso.
-Sim, e é ainda mais fascinante quando vemos fenômenos assim acontecerem conosco. -Parei por um instante. -Tão mágicos quanto as trilhões de milhas que percorremos.
E ele finalmente cravou seu olhar no meu. Nunca o quis tanto como naquele momento. Mas prossegui à certa distância.
-Eu te procurei no centro da cidade dias depois daquilo. A culpa me corroeu, me mostrou o quão errado eu estava... Além de também perdido e sozinho. Corri atrás de consertar as coisas, mas soube que você havia ido embora sem deixar pistas. Foi o fim do mundo saber que não havia como te encontrar novamente, e mais ainda ter te deixado carregar algo tão doloroso.
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76 Trilhões de milhas - Mclennon
FanfictionAcostumado há anos com sua rotina de vida e trabalho, John Lennon pensou que sua existência seria apenas a repetição exaustiva de seus horários dia após dia. Ele só não contava com um golpe certeiro do destino, este que ele tanto recusava acreditar...