Agoras

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Naquela mesma tarde nós compartilhamos outros tantos momentos. Ainda me recordo da cor do dia e do cheiro do clima... Momentos doces de uma adolescência que não me havia acontecido, mas que junto a ele parecia estar ocorrendo da forma correta. Uma segunda chance de consertar tudo na minha linha do tempo.

Depois do almoço nós descansamos juntos novamente, dessa vez pela sala. Ele se acomodou pelo sofá, escorando os cotovelos no braço do móvel. Já eu estava deitado no chão, de olhos fechados, rente à porta que dava para o quintal da casa. Ela estava cerrada, então a luz do sol invadia sutilmente o ambiente pela vidraça, provendo um calor gostoso de sentir.

-Você fica adorável de pijama. -Sua voz macia me fez sorrir.

-O que seria adorável eu dentro de um pijama? -Indaguei devagar.

-Dá vontade de abraçar e de pôr as mãos por baixo das peças.

-Um misto de sensações... Hmm.

Após da minha fala, não obtive mais palavras dele. Concluí que estivesse me observando antes de tecer qualquer comentário; ele sempre parecia pensar milhares de vezes antes de dizer alguma coisa -e eu gostava disso- pois as palavras sempre me pareciam vir certeiras. Mas ouvi passos curtos por ali perto, como se percorresse o ambiente da sala; depois, notei os mesmos passos se aproximando de onde eu estava. Só abri os olhos quando eles pausaram, coincidentemente bem na altura do meu tronco.

Um pé de cada lado do meu corpo ele havia estacionado. Ao ver o que estava acontecendo achei curioso: ele escrevia ou desenhava algo em uma das arestas de madeira da porta. Concentrado, ele não percebeu que eu notava bem mais do que a sua ação de rabiscar ali.

Por baixo do roupão eu tinha certa visão privilegiada. Minha atenção se estendeu pelas minhas mãos quando ergui o braço esquerdo devagar e toquei o interior de sua coxa. Ele vibrou e sorriu com aquilo, depois olhou para baixo para me observar.

-Incrível como consegue me arrancar arrepios fáceis.

-Acho que provocamos algumas reações peculiares. -Sorri disfarçando o desejo. -Posso saber o que você está aprontando aí em cima?

-Desenhando alguns corações.

-Estou curioso para ver o resultado de sua obra de arte.

-Nada perto do que você consegue fazer, mas é a tradução de uma pequena parte do que sinto. Quero deixar aqui contigo.

-Então quer dizer que você quer deixar seu coração comigo?

-Espero que você aceite. Essa tinta é permanente.

Eu gargalhei baixinho e ele me acompanhou naquele momento divertido.

-Claro que aceito seu coração. Desde que fique com o meu também.

-É uma troca justa. -Vi-o pôr a tampa de volta na caneta. -E até me espanto.

-Por quê?

-Pelo que entendi você não é de romantismos, apesar de suas ações mostrarem o contrário.

-Bem, não sou um leigo, eu namorei por um tempo, e estou ciente de frases piegas e do comportamento de casais apaixonados pelas sessões de frios do supermercado...

-Trocar coraçõezinhos é um ato sério, sabia? -Ele brincou.

-Bem sei. Além disso, parece que estou aprendendo com você... As coisas andam parecendo ganhar mais sentido ultimamente.

Alguns passos para trás e ele tomou distância suficiente para se agachar e cravar os joelhos no chão, sentando-se em cima do meu quadril.

-Você já nasceu amando, John. -Habilmente ele levou as mãos até a parte de cima do meu pijama e tratou de ir desabotoá-la. -É impossível não saber o que é o amor quando se é um artista.

-Talvez você esteja certo. Vendo daqui... Talvez o amor só seja sentido quando realmente vivido. E é isso que estou fazendo com você agora: vivendo.

-Viu só? Um romântico nato.

Sorri e me tornei atento. Algo em mim queria o laço de uma certeza, uma segurança; algo fora do campo das idealizações, dos sonhos despertos e das expectativas irreais para o futuro -fosse o que ele fosse. Nunca havia querido algo assim, nem ao menos tinha noção de tal coisa, mas ali estávamos e simplesmente aconteceu.

-Estou realmente amando, Paul? -Ele se debruçou sobre meu peito, mantendo o ouvido próximo ao meu coração.

-Se for o mesmo que sinto, você está.

-O que você está sentindo? -Acariciei-lhe os cabelos.

-A felicidade constante...

-O que isso quer dizer?

-Dizem que é sintoma e certeza do amor.

-Então meus agoras são felizes... -Ele devagar ergueu o tronco e levantou a cabeça para me olhar de perto.

-Assim como os meus. -E sorriu. Aquele tão bonito e especial sorriso que era adornado pelas pedras olivas de suas írises.

-Devia olhar para você... -Sussurrei para que as paredes não ouvissem minhas confissões, enquanto tocava seu rosto com a ponta dos dedos. -Tão perfeito me sorrindo.

-A reação de quem escuta as palavras de um doce amante. -Acompanhou-me nos cochichos.

Sorri de volta, sinalizando para que deixasse um beijo comigo. Um dos beijos que começavam tímidos, com delicadezas que trocávamos antes de sermos tomados por um impulso avassalador, que sempre nos deixava sem ar e tentados a explorar mais dos limites. E foi depois desse beijo que tive um outro pequeno diálogo sobre sensações e o que mais poderíamos fazer.

-O que você sente quando... -Olhei de relance para baixo. Ele entendeu meu gesto e achou gracioso meu interesse.

-Um prazer bem diferente de quando estou em outra posição.

-Hm... -Arqueei as sobrancelhas num curioso espanto. -Então você também...

-Sim. -Ele apertou os lábios antes de fazer um biquinho divertido. Parecia que sabia o que viria a seguir.

-Você acha que eu poderia tentar?

-Eu aconselho bastante. -Balançou a cabeça.

Ele continuava me fitando ali, achando graça no quão vermelho eu estava! E só me toquei disso quando senti minhas bochechas quentes.

-Estou corado, não estou?

-Está lindo, John.

-Oh Deus... -Tapei o rosto com as mãos.

-Ah, por que tão tímido? -Sem demora ele tratou de afastar minhas mãos dali. -Não há nada para se envergonhar e nem temer. Só seria a sua primeira vez, e depois dela tudo vai fluindo.

-É que... -Prendi a respiração por um instante, em uma hesitação, mas não havia motivo para tal. -Ah, você está certo. É só uma primeira vez.

-Também não precisa pressa. Quando você estiver pronto, eu estarei aqui pra você. Ok?

-... Ok. -Assim ele meu um par de beijinhos.

-Ótimo.

-Paul?

-Hm?

-Podemos tentar agora?

Ele riu com aquilo e eu o acompanhei naquele divertimento. Foi um belo presente naquela tarde que me fez certificar mais uma vez de que o amor era realmente uma felicidade constante, e que sem dúvidas ele era o meu amor.

-Com certeza. -Respondeu-me. Em segundos ele tratou de ficar de pé, e estendendo a mão para mim, me chamou. -Vamos?

-Sim. Rumo à uma primeira vez outra vez!

76 Trilhões de milhas - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora