O caminho que conduzia ao final da mata fechada finalmente mostrava um pouco de luz que vinha do litoral mais próximo da região montanhosa. Mihai ajeitou seus cabelos, afrouxou a gravata e suspirou em sinal de cansaço depois de sua longa caminhada. Havia cerca de doze horas que havia transferido parte de sua energia para Yuná, ele ainda estava fraco e não podia se teletransportar como sempre fazia. Caminhou por três horas consecutivas até chegar naquela pequena praia deserta de almas.
Era um lugar diferente dos demais litorais que circundavam a ilha do Reino dos mortos. Aquele ponto era um dos lugares onde o mundo espiritual e físico se encontravam. Com o correto conhecimento, alguém poderia tentar abrir um portal ali para ir a Terra por meios ilegais.
— Aaaah... Esse lugar me traz lembranças... — Ele suspirava novamente.
Um leve e incomum vento batia em seu rosto e as ondas pareciam um coral de vozes ao quebrar na fina areia branca do lugar.
— Olá Mihai! — Era Gavril chegando invejavelmente usando o teletransporte.
— Olá irmão... Verificou o governador? — Ele perguntava sem desviar os olhos da praia.
— Sim. O seguimos por vários dias. Nenhum comportamento suspeito. Também não achei nenhuma evidência que o incriminasse. Talvez ele esteja agindo somente sob as ordens de Elrik, mas ainda não entendi o que o antigo ceifeiro ganha trazendo um góin a este reino para devorar almas. — Informou Gavril observando o comprotamento distante de Mihai.
— Isso eu também não entendi Gavril, mas eu já tenho certeza de que ele está por trás dessa confusão. Acabei de voltar das montanhas. Segui Elrik e ele foi exatamente à cabana da Bel.
— Da Bel? Aquela mulher arrogante?
— Sim. Ela. — Respondeu Mihai com preguiça. — Eu não consegui ouvir o que eles conversaram por que estou fraco demais para usar o hiperfoco da minha audição, mas ele não a procuraria se não estivesse tramando algo.
— Por que está fraco? — Gavril pareceu ignorar o restante da informação.
— Eu "recarreguei" Yuná ontem. — Ele respondeu olhando para o horizonte banhado com a luz morna daquele sol.
Gavril olhou ao redor percebendo em que praia estavam depois olhou para Mihai que permanecia com semblante melancólico e pálido. Talvez pela falta de energia, ou talvez por outro motivo.
— Mihai... O que está havendo? Você não me parece o mesmo já faz quase um mês.
Se desprendendo de algumas memórias, Mihai olhou para Gavril pela primeira vez ali e com um sorriso respondeu: — Não é nada. Estou cansado. Você as vezes não se sente assim?
Gavril não respondeu.
— Eu sinto cansaço as vezes. A eternidade cansa. — Mihai continuou.
— Cuidado com seus pensamentos irmão! — Gavril começara a ficar preocupado.
— Não se preocupe comigo. Eu estou bem. Meus pensamentos nunca me levarão a atitudes drásticas como nosso "irmão mais velho".
— Você nem ouse se lembrar daquele traste. — Gavril ficou incomodado.
Rindo um pouco calorosamente, Mihai abraçou seu irmão fraterno mais novo dando tapinhas nas costas dele perguntou:
— Você não me deixaria fazer nada também não é mesmo?
— Mihai... É claro que não, mas realmente não tem como não me preocupar com você. Olha como você está e por que está aqui no ponto magnético da Terra?
Mihai caminhou para perto das águas e permitiu que as pequenas ondinhas tocassem seus pés. A água ali era morna de cor azul turquesa, cristalina a ponto de ser possível ver o fundo forrado com areia branca. Ele entrou até as águas baterem em seus joelhos e olhou para aqueles céus crepusculares desejando permanecer ali por muito tempo.
Então Gavril se deu conta do que estava acontecendo e entrou nas águas até alcançar seu irmão.
— Foi daqui que eles partiram daquela vez, lembra? — Mihai perguntou quando seu irmão se aproximou.
— Lembro. — Gavril respondeu trazendo a mente a lembrança dos irmãos e irmãs que foram embora para o mundo mortal quando pela primeira e única vez lhes foi concedido partir do mundo espiritual.
— Sinto falta dela.
Gavril deu tapinhas nas costas de Mihai que dificilmente se abria daquele jeito e permitiu que ele continuasse a falar no seu tempo.
— Ela parecia com a Yuná naquela época, se lembra? Aura multicolor, olhos dourados como os nossos, uma alegria sem fim, uma beleza imensurável e uma energia contagiante. Não havia um dos nossos que não se encantavam por ela em todos os reinos.
— Não tem como esquecê-la irmão. Nossa irmã Afrod...
— Não! Esse não era o nome dela. Esse era um dos nomes que deram a ela, mas nunca me conformei. Ela sempre será Amara para mim. — Interrompeu Gavril antes que ele terminasse de dizer o nome.
— Você veio aqui para se lembrar dela? — Gavril tentou continuar o assunto para que Mihai desabafasse.
— Na verdade não. Como aqui é um portal, imaginei que seria um bom lugar para procurar o góin. Elrik voltou para a cidade central. Só achei que aqui estava próximo do lugar onde eu estava antes, por isso resolvi conferir, mas ai... Acabei lembrando dela... Já faz muito tempo. Muito tempo. — Ele suspirava.
— Você ainda a ama? — Indagou Gavril.
Mihai abaixou a cabeça e resolveu retornar para a praia parecendo estar com sua energia um pouco renovada.
— Ela foi importante sim, mas só me restaram lembranças ruins dela e de tudo que ela fez na Terra. — Respondeu evasivamente.
— Ainda sente remorso? — Gavril se sentia como um funcionário de consolo.
— Não. O que eu fiz foi em cumprimento do meu dever. Ela não deveria ter se misturado aos homens, não deveria ter se engrandecido nem recebido reverencias dos humanos como fez. Ela, não só quebrou nossas regras, como violou a pior delas, assim como todos os outros irmãos que partiram naquele dia. Eu não tenho culpa das suas escolhas. Ela foi cem por centro responsável pelas consequências que lhe ocorreram. Portanto, não sinto culpa alguma, apenas lembranças. Talvez o arrependimento de tê— la conhecido.
Gavril saiu do mar junto com Mihai sem se preocupar com as roupas molhadas. Arrumou seus cabelos chacoalhados pelo vento e menos preocupado do que antes, terminou de consolar seu amigo.
— Eu te entendo. Nunca passei pelo que você passou. Não tive apego a uma de nossas irmãs como se fosse parte da minha alma, mas entendo o vínculo que você teve com Amara e lamento a dor que lhe causou. — Ele dizia com a mão apoiada no ombro de Mihai.
— Vamos continuar nossos trabalhos e deixar o passado permanecer no passado. Hum?
Com um suspiro final,Mihai afirmou positivamente e recobrando sua seriedade se prontificou de voltarà cidade central.
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Além das Flores - CONCLUÍDO ( 44 de 46)
FantasyATENÇÃO: Esta obra é uma ficção baseada em VOZES DA MINHA CABEÇA, inspiradas por mitologias e crenças sem vínculo verídico religioso. Entretanto, contudo, porém, todavia(rsrs), é uma história com forte apego aos princípios cristãos. Não possui hot...