He's not acid nor alkaline

57 7 11
                                    

Antes que o primeiro pássaro cantasse, os três já se moviam frenéticos pelos corredores apertados. Enquanto um tomava banho, outro preparava o café, e o último arrumava os cômodos compartilhados. Precisavam trabalhar em perfeita sincronia para vencer o tempo, que corria contra eles com uma velocidade implacável. A que horas o rapaz deveria chegar? 6h? 7h? Era cedo, muito cedo para tantos preparativos que foram negligenciados nos dias anteriores. Precisavam causar uma boa primeira impressão e garantir que estariam prontos para recebê-lo. Se havia alguma dúvida sobre aquela decisão, deveria ser guardada para si mesmos, pois não havia espaço para questionamentos.

O garoto seria um irmão, e isso era tudo que precisavam lembrar. Mas poderiam encará-lo como um primo, se isso os deixasse mais à vontade com a novidade. Tudo era uma questão de perspectiva naquele momento.

Vessel era o último a se aprontar, pois era o que mais demandava tempo em sua preparação tão perfeccionista. Ele queria estar exuberante, algo naquele dia o convidava a isso, parecia que apenas a excelência seria possível e então por que fugir disso? Com mais calma do que o apropriado para a correria frenética do início do dia, ele começou a cobrir sua pele do mais escuros dos tons, o rosto, os braços, tudo coberto da mais pura noite, mas que nos momentos de euforia, aquela manta negra se misturava ao seu suor, escorrendo quente como sangue por seu corpo, rios soturnos de lava flamejante, num movimento contrário ao ato inicial, revelando quem ele era da forma mais autêntica e selvagem possível, sem aqueles artifícios a tanto utilizados, quando sua voz alcançava um timbre que apenas os deuses conheciam, quando cada adoração se tornava um ritual tão sagrado quando a existência de cada um deles. Quando tudo era tão intenso que até mesmo seu ser explodia em clara combustão, ele sabia que havia alcançado o que tanto buscava, com sua pele a mostra e sua voz chorosa, seu rosto lavado pelas lágrimas, mesmo que a máscara impedisse os fiéis de verem sua sublime entrega. Agora ele se olhava no espelho, pronto para finalmente esconder seu rosto, seus olhos destacados como luas em um céu sem estrelas, tão azuis e cristalinos que pareciam um lago perdido em um jardim qualquer, olhos onde qualquer incauto poderia se afogar caso os visse, o que só acontecia ali, com II e IV e claro, com Sleep, que o conhecia por completo, cada parte, fosse de seu corpo ou de sua alma. Com amor, deixou aquela peça mista de branco e vermelho finalmente o cobrir, seis olhos negros agora substituiam os seus dois azuis, a pele quase que feita de mármore, o sangue coagulado em gotas sobre sua boca exposta.

Ele trajava uma de suas melhores vestes, consciente de que não estava sozinho nessa meticulosa preparação. Cada um deles se dedicara com zelo, cada detalhe cuidadoso refletia a seriedade do momento. Ali, todos vestiam suas máscaras, conscientes de que, cedo ou tarde, precisariam removê-las, fosse no sentido literal ou no figurado. Não se incomodavam mais em exibir seus rostos uns aos outros, mas para um novo olhar? Isso era desconfortável, estranho, íntimo demais para ser entregue de imediato a um desconhecido.

Independentemente da ocasião, seus rostos permaneciam velados pelo enigma de suas identidades, escolhidas por Sleep para guiar como faróis em meio às águas turvas. Agora, eles precisariam se manter cobertos em seus próprios domínios, pelo menos por um tempo, até que a confiança fosse construída, os laços forjados, e seus rostos se tornassem a recompensa almejada pelo novato. E assim como ele, cada um deles se entregaria, em algum momento, com uma convicção singular. Então, estariam unidos, em espírito e verdade.

Tinha de ser assim, precisava ser assim.

Quando por fim as batidas na porta foram ouvidas, em uma sincronia surreal, todos prenderam a respiração, IV baixou a máscara que ainda revelava a boca, II colocou o colar que ganhara do líder a tantos anos e Vessel, Vessel apenas esperou, mesmo quando as batidas se repetiram ele esperou e um arrepio lhe percorreu a espinha quando uma terceira vez o som foi ouvido.

The Apparition (Sleep Token)Onde histórias criam vida. Descubra agora