Até a hora do almoço, o novato ainda não havia saído do quarto ou conversado com algum deles, aparecendo apenas ao passar pelo corredor em direção ao banheiro do segundo andar, onde tomou um banho demorado e fervente, que ao término, deixou a banheira parecendo uma cena de um crime sanguinolento orquestrada pelo próprio Tarantino, a água escorrendo vermelha pelo ralo, as marcas de mãos pelo box e quando saiu, resmungou consigo mesmo que limparia a própria bagunça, mesmo que ninguém fosse lhe cobrar isso de imediato. Além desse episódio, sua presença não foi notada, o único barulho eventualmente escutado era o do desarrumar das malas, o abrir do guarda roupa e o cantarolar contido, algo claramente incomodava aquele espírito livre, fazendo-o reprimir sua costumeira animação que logo se mostraria constante. Os demais membros da família cochichavam sobre o rapaz na sala de jantar, como as senhoras no banco do fundo de uma igreja, observando os fieis que se aproximavam do altar com suas oferendas, algo que tanto condenavam em suas adorações, mas que agora dominava suas línguas terrivelmente humanas.
-Ele é um pouco estranho, admite, Ves- dizia IV enquanto terminava de arrumar mesa, colocando o quarto prato em um novo lugar nunca usado.
-Ele é... diferente. Chamativo, com certeza, mas vamos nos dar bem, eu gostei do rapaz. Ele parece ser alguém agradável de se lidar, animado, vai dar um novo ar ao nosso grupo, sei que tornará as adorações mais animadas e calorosas. Nossos fieis vão simpatizar com o nosso novo "rosto".
-Gostou dele só porque ele te abraçou! Você teve benefícios! Amor a primeira vista, eu diria. Mas tudo bem, o cara até é um pouco bonito.
-Cala boca, Ivy.- respondeu revirando os olhos enquanto os outros dois riam do comentário, mas realmente Vessel pensava no rapaz, em seu rosto excêntrico, a barba por fazer, os cabelos coloridos, ele era uma combinação curiosa como um todo, de uma beleza fora do padrão que estavam acostumados. Ele era caótico, como um filho de Nix.
Por não saberem quais eram as preferências do rapaz, o trio havia cozinhado uma grande seleção de pratos, carnes, massas, molhos, algo certamente iria agradá-lo, mesmo que fosse vegetariano ou tivesse alguma dieta restrita. Quando tudo estava no seu lugar, só restava convocar o último integrante que ainda fechava-se em seus novos aposentos. Vessel foi o eleito para chamá-lo, em uma votação injusta, a qual sempre perdia diante da união dos outros dois receptáculos.
Apesar de ser o líder do grupo, isso não o impediu de reclamar enquanto subia as escadas, ensaiando as palavras que diria, sabendo que não haveria de ser tão difícil, era simples, bastava avisar que a comida estava pronta, não é? Talvez lhe explicar os horários das refeições e durante o almoço aproveitar para falar sobre a rotina de cada um, como tudo funcionava ali. Isso, era apenas isso, não havia erro naquela fórmula, não seria a primeira vez que precisava passar por aquela situação. Ele recebeu II e depois IV, não foi? E hoje eram uma família, talvez não perfeita, mas com certeza feliz, unidos pela devoção que tanto pregavam. Hoje subiam juntos ao altar, com uma confiança que apenas tinham uns nos outros para espalhar aquelas palavras sagradas.
Ao chegar ao último quarto do corredor, aquele que era reservado aos raros hóspedes que recebiam, bateu suavemente na madeira da porta. O coração acelerado pela ansiedade, esperou, mas ninguém atendeu, nem mesmo após repetir a batida. Encostou o ouvido à porta, mas o silêncio era absoluto. Com uma mistura de apreensão e curiosidade, pousou a mão sobre a maçaneta, percebendo que estava destrancada, quase como um convite silencioso. Aceitou-o, girando a maçaneta devagar, dando tempo para que III se preparasse para sua chegada. Para evitar qualquer cena desagradável, resolveu anunciar-se em alto e bom som:
— Ei, estou entrando...
O rapaz estava deitado de costas na cama, suas roupas extravagantes substituídas por trajes mais leves, que revelavam mais pele, agora limpa. Não estava dormindo, pois suas pernas balançavam para fora do colchão, seguindo o ritmo da música alta nos fones de ouvido. III tinha os olhos fechados, a boca se movendo sem emitir som, completamente alheio à presença do líder. Ele estava imerso em seu próprio mundo, e Vessel sentiu uma curiosidade em saber como esse mundo era, ao mesmo tempo que temeu não conseguir sair dele.
VOCÊ ESTÁ LENDO
The Apparition (Sleep Token)
FanfictionUm novo membro chega e com ele, uma série de memórias perdidas. Quem Vessel foi? -Sleep Token boyxboy