So take a bite of me, just once, I want to

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-Você não é muito sutil.

-Quem disse que eu tentei ser? Se eu fosse discreto, eu seria o II e não eu mesmo.

III ria à porta de Vessel, que o fitava sentado em sua cama, já com a máscara posta desde que percebeu a aproximação, um caderno em mãos, tentando dar vida novamente a melodia que o perseguira na noite anterior, enquanto o outro se encostava no batente, com as mãos para trás, aquele hábito dele de se balançar, sempre inquieto, alvoraçado. Ele nunca parava?

Ele parecia uma molécula ou uma particula em constante movimento, buscando outras para se unir, se formar, criar algo novo, em uma relação complexa, extrema e singular. Ele parecia alterar tudo a sua volta.

E num piscar, aquilo lhe deu uma ideia que fora imediatamente anotada nas folhas já rabiscadas de velhas tentativas. Um elemento desconhecido, essa era uma tradução perfeita do que via a sua frente e aquilo certamente era a inspiração que estava lhe faltando para aquela peça ainda incompleta.

-Veio falar mais alguma coisa sobre me conhecer ou sobre como eu sou louco? Por que eu ainda não sei se acredito em você.- indagou enquanto completava algumas linhas, tentando não se perder. Sua mente fervilhava e pela segunda noite consecutiva, o sono havia lhe fugido definitivamente e podia culpar o mesmo homem pelo feito.

-Noo-up- respondeu III virando-se para dentro do quarto, adentrando-o, com passos marcados, quase como se saltasse em pedras em um lago, tentando não se molhar com os respingos imaginários- Você ainda usa esse velho gravador? Como ele ainda funciona? Deveria estar em um museu, é o que eu acho. Fico surpreso em você ainda achar fitas virgens. Vendem aqui perto ou Sleep consegue para você?

Um clique para parar o aparelho que ainda trabalhava, agora a voz de III também estava gravada, junto da sua, com uma série de perguntas. Uma a cada três coisas que falava era uma pergunta, as quais ele não fazia questão de esperar por uma resposta, elas eram um bônus, não seu foco principal.

-Eu gosto de...

-Tecnologia velha, ancestral, primitiva, porque combina com o nosso tipo de oração. Te conecta ao nosso criador, te conecta ao etéreo, algo que a modernidade simplesmente esqueceu, já não dá mais importância, já não...

-Eu ia dizer que gosto do som da fita rodando, me ajuda a criar, como um ruído branco, mas isso também serve.

Vessel decidiu que gostava do som da risada que surgiu daquele ser peculiar e lamentou ter parado a gravação antes de capturá-la. No entanto, sabia que não precisava gravá-la para ouvi-la com frequência. O riso lembrava uma explosão fumegante de estrelas recém-nascidas, uma erupção impossível de ser contida, fragmentando-se em milhares de pedaços que atingiam qualquer um que se aproximasse, marcando-os, tornando-os seus. Aquele homem parecia um universo em expansão, um universo infante, travesso e desajeitado, atrapalhado e risonho.

Os olhos grandes e curiosos de III esquadrinhavam cada centímetro do quarto enquanto caminhava por ele, como se tivesse sido convidado, o que não fora porém também não havia sido impedido. Não era espaçoso, tinha poucos móveis, apenas o necessário, as paredes lisas, claras, uma única janela com um blackout escuro. Totalmente Vessel, quase um antônimo ao indivíduo que agora lhe fazia companhia, que já decorara seu quarto com inúmeros posters e pensara seriamente em pintar algumas coisas nas paredes. Minimalismo não era sua vibe e fazia questão de deixar isso bem claro.

-Cante para mim, Ves, estou sem sono.

-Não sei se eu quero, novato! Sou seu líder, não sua babá.

III sentou na cama ao seu lado, fazendo o colchão tremer e Vessel revirar os olhos cobertos pela máscara.

The Apparition (Sleep Token)Onde histórias criam vida. Descubra agora