III- O PRIMEIRO DESPERTAR

213 52 692
                                    

           Eu estava de pé, conseguia ver a mim mesma, confiante, enquanto cumprimentava dezenas de pessoas, vestia um vestido preto cuja cauda arrastava pelo chão a medida em que eu andava, as mangas caíam sobre meus ombros e o decote mostrava um pouco mais do que eu gostaria, mas ainda sim eu tinha uma postura impecável, sorria para todos que me olhavam com admiração. Então, me afastei quando vi as pessoas abrindo o caminho para alguém que chegava e avistei ninguém menos que Ian, à medida que a distância entre nós diminuía, mais as pessoas se afastaram, ele tinha uma presença imponente e eu, naquele momento, parecia estar a altura dele. Olhei para o que tinha em mãos e aceitei de bom grado quando ele me entregou o livro, o mesmo em que eu havia ferido meu dedo em sua casa, e me surpreendi ao vê-lo se curvar perante mim.

           Ao abrir os olhos pela manhã, o despertador marcava seis e meia, o horário que eu acordava todos os dias a fim de me arrumar e ir para a faculdade, porém a ideia parecia fora de cogitação, então o desliguei. Celine e Marcus eram as últimas pessoas que eu queria ver. Fechei os olhos para voltar a dormir, mas a lembrança do sonho que tive veio de forma bem nítida em minha mente, consegui rever cada parte com tamanho realismo que cheguei a apertar os olhos com força para que as imagens desaparecessem da minha mente, dessa forma, acabei por abrir os olhos e encarar a fresta de luz que havia em uma parte em que a cortina não cobria a janela. Foi impossível dormir depois disso. 

           Enquanto eu não tinha forças nem para dormir nem para levantar da cama, pensei na pergunta que Ian fizera: Por acaso, você é fraca, Ária?. Quando eu era adolescente eu me fazia essa mesma pergunta constantemente, não conseguia fazer amigos, era a última a ser escolhida na educação física, tinha vergonha de falar em público... se não fosse Celine falar comigo, talvez até hoje eu nunca teria feito amizade alguma, com ela eu aprendi a ver o mundo, mas... não era de verdade. Talvez a resposta para a pergunta de Ian fosse um sincero sim. O que me fazia voltar a refletir, Ian, o intrépido Ian dobrando os joelhos, mesmo depois de conseguir me fazer uma pergunta tão desafiadora, sendo capaz de se curvar. Um sorriso se formou em meus lábios, como se a imagem me agradasse, e minha mente intercalava entre o ódio latente de Celine em meu peito e a vontade de ver meu vizinho novamente. 

           Meus pais não me questionaram quando me viram com os cabelos desgrenhados na cozinha, ambos tomavam café, me cumprimentaram com um ''bom dia'' monótono e quase parecia que tudo estava normal, se não fosse o fato de que horas atrás eu contara tudo o que tinha feito nos últimos meses a eles. Ainda podia rever eles escutando minhas palavras e dizendo que tudo ficaria bem quando voltei para casa. Agora sentimentos brigavam dentro de mim, culpa e ódio, e eu certamente não sabia qual era mais forte, não sabia a qual eu me apegaria.

— Você vai ficar bem sozinha? — Ouvi a pergunta da minha mãe e parei de encarar o copo de café.

— Sim, vou ter um tempo para colocar as coisas em ordem. — Forcei um sorriso como tentativa de confortá-la. — É sério, não se preocupem comigo.

           Eu só me questionava o porquê de tudo ter dado errado tão depressa, e se Marcus tivesse dito que me amava também? Nos tornaríamos o casal mais popular da faculdade, casaríamos no futuro e seríamos felizes? Eu não havia pensado no que viria, em todos os momentos eu pensara somente no agora.

           O dia transcorreu devagar sem que eu tivesse coisas para fazer. Tentei ver filmes, mas foi em vão; eu sempre terminava deitada olhando para o teto. A casa ficava silenciosa com meus pais trabalhando, no entanto, minha mente era barulhenta, e como eu ainda não tinha tido coragem de olhar meu celular, acabei dando ouvidos aos meus pensamentos intrusivos, que me chamavam de mentirosa e covarde. Esses pensamentos se repetiam como um disco quebrado. Você é um fracasso. Você é falsa. Cada palavra ressoava, fazendo meu coração bater mais rápido e minha respiração ficar pesada. Tentava me distrair, mas nada parecia funcionar. Eu me sentia presa numa espiral descendente.

DESPERTOS - A ESCOLHAOnde histórias criam vida. Descubra agora