IV - ISSO É UM SONHO?

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           Quando adolescente enquanto lia ou assistia as fantasias eu imaginava o que faria se visse um vampiro, um lobisomem, uma bruxa, sempre afirmava que não entraria em choque e que acharia incrível. Tudo mentira. A gente não espera que algo assim aconteça e eu nem sabia o que Ian era, sabia que estava longe de ser um ser humano comum.

           Celine estava certa, ele estava envolvido em algum tipo de seita, e eu seria levada com eles, não tinha escapatória para mim, era isso que chamavam de magia negra nos filmes? Os pensamentos começaram a rondar a minha cabeça.

           Ian percebeu que eu estava inundada de pensamentos, com uma ansiedade quase que sufocante, andou até mim e colocou as mãos em meus ombros me fazendo sentar novamente. Eu não reagi, porque não sabia bem o que fazer diante da situação. Ele então colocou o livro diante de mim, me instigando a ler. Com as mãos trêmulas olhei para a primeira página, a respiração presa na garganta. As palavras, escritas em uma caligrafia elegante, pareciam dançar diante dos meus olhos, contando a minha história, desde fatos que eu jamais lembraria como meu nascimento, em 15 de outubro de 2002. Era como se um amigo íntimo, que me conhecia por inteiro, tivesse escrito cada detalhe, cada emoção, cada conquista e cada decepção. Desde o primeiro choro, até o primeiro sorriso, a primeira palavra, o primeiro passo. As páginas se sucediam, revelando momentos marcantes, conversas memoráveis, pessoas importantes que cruzaram o meu caminho, deixando marcas indeléveis na sua alma.

— Só tem uma coisa que esse livro não pode fazer, Ária — Ian me tirou de meu torpor —, não pode me dizer aquilo que está pensando, mesmo que eu consiga conhecer a sua vida, em cada momento, eu não sabia se você fazia o que fazia porque queria, não sabia o que se passava na sua cabeça, se realmente gostava das pessoas que conheceu, são apenas registros de uma vida, até o momento em que ela acabaria. Mas, no momento em que uma pessoa desperta, as letras se embaralham, o fim traçado para a vida de alguém começa a ficar incerto. — Ele retirou o livro de minha mão e colocou nas páginas finais. — Você vê? Está em branco.

— O que você espera que eu pense disso? — Perguntei, olhando para as minhas mãos que tremiam.

— Quando eu fui mandado para o seu bairro, pensei que seria mais um trabalho comum, aí você deixou seu sangue cair no meu livro e quando fui olhá-lo novamente seu destino simples tinha mudado, no momento em que as páginas experimentaram o seu sangue eu fui capaz de vislumbrar algo que jamais vi de um humano qualquer. — Ian tocou em meu queixo, me fazendo encarar seus olhos. —- Eu senti poder, o livro reagiu a isso, sabia? Seu nome entrou para a lista dos despertos do meu mestre.

— Afinal, qual é o seu trabalho?

— Eu sou responsável por não deixar as pessoas se desviarem do seu destino final. Eu leio, e quando vejo que alguém vai tomar decisões muito burras, eu conserto. Essa aqui —- Ele abriu os braços demonstrando a biblioteca. — é a biblioteca do mundo, cada livro é uma história, e somente algumas famílias, como a minha, são incubidas desde a fundação do mundo a manter as histórias dentro das linhas corretas.

— Acho que se você quiser, pode me deixar ir e eu não conto pra ninguém, ou, quem sabe... você apaga minha memória.

— Ainda não entendeu? Você traçou o seu destino no exato momento em que mexeu nas minhas coisas, se foi obra do acaso nunca saberemos, mas você foi atraída até isso, e meu mestre quer que você seja uma de nós. Ária, de verdade, é uma honra. — Ian parecia falar com paixão, seus olhos possuíam um brilho intenso. — Nós temos em nossas mãos o poder de ajudar as pessoas a encontrarem os seus caminhos.

— Isso não é manipular?

— Não, você já nasceu assim, Ária, advogada, teria 3 filhos, se casaria muito bem, perdoaria Celine. Mas, se naquela noite não tivesse voltado para a casa dos pais, teria procurado outra amiga da faculdade, conheceria o irmão dela, trocariam número de telefone, você se apaixonaria, quando voltasse para casa brigaria mais uma vez com os seus pais...

— Eu entendi, entendi. É só que...

— É irreal eu sei, mas no momento em que me ouviu, o livro escreveu que agora alguma coisa em você tinha mudado. — Ian sentou e colocou os braços atrás da cabeça, novamente relaxado. — Eu acredito que você tenha sido escolhida porque não tem mais nada a perder, eu não questiono o mestre, ele sabe o que faz, e parece ter grandes planos para você.

— Eu não sei o que pensar.

— Primeiro, você precisa aceitar.

           Ele tinha razão, tudo aquilo que eu acreditava que eu tinha, na verdade não era meu, eu mesma havia transformado minha vida em um completo caos e não consegui mais pensar no que fazer, não pensava mais nem nos estudos, ou em ver o rosto de outros colegas.

— O que é preciso para aceitar? E o que eu ganho?

— Uma vida completamente nova, vizinha. Você será uma de nós, será uma Vulpes, e eu — Ele levantou, andando em passos lentos até mim, ergueu a mão e retirou um cacho de cabelo do meu rosto. — tenho certeza de que você irá amar. A sua família esquecerá você, seus amigos também, você terá uma nova identidade, e trabalhará conosco.

           Pensei em meus pais e em como eles ficariam melhores sem mim, sem alguém que os envergonhasse e os fizesse perder a reputação.

— Eu prometo, Ária. — Ian saiu de perto de mim, andou até um livro que ficava em destaque em cima de um vitral, o pegou e andou até mim, havia um sorriso em seu rosto que antes eu não havia contemplado, era diferente, transpassava verdade naquilo que ele acreditava. Então, quando ele chegou novamente perto de mim, colocou em minhas mãos uma caneta cuja tinta era prateada e dobrou os joelhos. — Prometo que cuidarei muito bem de você, com a minha vida, somos leais uns aos outros. É só assinar.

           Eu me curvei, e enquanto colocava meu nome abaixo de uma lista enorme, o meu sonho nunca pareceu tão real. No momento exato em que terminei de escrever, minhas pernas enfraqueceram e caí em um sono profundo, e sinceramente, acho que não gostaria mais de acordar.

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Quando a vida parece ir mal, é mais fácil fugir do que encarar os problemas

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DESPERTOS - A ESCOLHAOnde histórias criam vida. Descubra agora