As cordas da morte me envolveram, as angústias do inferno me alcançaram.
Ninguém me olhava como se eu fosse uma intrusa. Pelo contrário, me receberam bem. Na hora de comer, me juntei à mesa de Isaac, que conversava animadamente com outros neshers. A mesa era comprida, feita de madeira escura, com bancos acolchoados que pareciam ter sido feitos à mão. O aroma de comida fresca preenchia o ar, uma mistura de temperos e ervas que faziam minha boca salivar. Os outros neshers me acolheram de imediato, seus olhos brilhando de curiosidade. Todos queriam me perguntar como foi estar com os vulpes. Quando comecei a contar que me trataram bem, eles apenas assentiam, os rostos expressando uma mistura de alívio e compreensão, como se acreditassem em cada palavra que eu dizia.
Isaac, com seus olhos atentos e sorriso fácil, liderava a conversa. Ele tinha uma presença reconfortante, e sua risada era contagiante, ecoando pela sala e fazendo todos ao redor sorrirem também. Eu não sentia vontade de fugir. Na verdade, eles pareciam como meus irmãos, embora eu nunca sequer soubera como era ter u. Eu tinha uma ótima família, meus pais eram ausentes por conta do trabalho, mas eu não tinha do que reclamar. Ainda assim, estar com os neshers era diferente. Era tranquilo, eu sabia que tinha responsabilidades, mas ninguém parecia querer me apressar para cumpri-las. Ali, com eles, eu parecia estar em paz e livre para descobrir quem eu era. Isaac, sentado ao meu lado, me olhava com um brilho nos olhos que transmitia confiança e aceitação. Ele me fazia perguntas sobre os vulpes, mas logo ergueu os seus olhos para algo que acontecia atrás de mim.
— O ancião chegou, pensei que ele não se juntaria a nós hoje, ele não tem se sentido muito bem, sabe? — Isaac me contou, inclinando-se um pouco mais perto para que eu pudesse ouvir. — Eu pensei que era porque ele já é incrivelmente velho e tal, mas ele disse que é porque o propósito dele já está chegando ao fim.
— E qual é o propósito dele? — perguntei, curiosa.
— Ninguém sabe — Isaac respondeu, dando de ombros.
O ancião vinha acompanhado por Amaya,que sorria ao seu lado. Ele se pendurava em um cajado de madeira esculpida, cada passo sendo dado com cuidado e calma, enquanto seu rosto mantinha uma expressão gentil. Seus olhos azuis, embora cansados, brilhavam com uma sabedoria silenciosa. Atrás dele estava um rapaz com uma postura impecável. Ele era alto, vestindo roupas leves que lhe caíam muito bem, e acima da camisa havia uma couraça que indicava sua posição de guerreiro. Tudo nele gritava disciplina e força: a forma como andava, o rosto sério e focado. Quando meus olhos se fixaram no seu rosto, um reconhecimento instantâneo me atingiu. Os olhos negros e repuxados, as sobrancelhas franzidas que passavam um ar de preocupação — era ele, o mesmo guerreiro que me salvara quando os Celestes negros tentaram pegar minha alma. Naquele momento, eu pensei que ele fosse um anjo, mas agora, vendo-o aqui, entendi que ele era um Nesher, um guerreiro de Olam.
O ancião chegou à mesa central e, com um gesto suave, pediu que todos ficassem em pé. Amaya ajudou-o a se acomodar, e ele agradeceu com um sorriso tranquilo. A presença do ancião trouxe um silêncio respeitoso ao ambiente, mas não um silêncio desconfortável — era mais uma pausa reverente. O jovem guerreiro ficou de pé, ao lado do ancião, e seus olhos encontraram os meus. Por um breve momento, seus olhos negros suavizaram, e ele me deu um pequeno aceno de reconhecimento e acabei sorrindo e desviando o olhar. Isaac percebeu.
— Você já conhece o Levi, não é? Ele é um dos guerreiros mais respeitados entre os neshers. Salvou muitas vidas, incluindo a sua.
Assenti, ainda um pouco atordoada com a revelação.
O ancião, já acomodado, começou a falar com sua voz suave e firme, e todos se voltaram para ele, prontos para ouvir suas palavras.
— Espero que tenham acolhido bem a nossa nova companheira, Ária. — Todos assentiram, alguns me deram tapinhas nas costas. — É sempre uma festa para nós quando encontramos mais alguém para a família, mas é claro, não estamos forçando você a nada — Ele se dirigiu a mim —, mas é um prazer tê-la conosco. E agora, eu tenho um comunicado a fazer. Nós perdemos, infelizmente, a localização da biblioteca. Muriel já sobrevoou por muitos lugares, mas sem sucesso algum — O ancião parecia realmente triste. — Creio que precisaremos continuar tentando. Não devem estar longe, pois pertencem a esta região. Minhas visões, elas têm enfraquecido, creio que porque meu tempo aqui esteja no fim.
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DESPERTOS - A ESCOLHA
FantasyÁria é uma menina comum que vive sua vida sendo constantemente influenciada pelos outros. Sua rotina muda drasticamente quando conhece um homem misterioso que lhe concede acesso ao mundo espiritual e o poder da visão. Com essa habilidade, Ária pode...