XIII - O VERDADEIRO DESPERTAR

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"Eu hoje estou bem, mas já estive mal

Sou dias de sol, mas já fui temporal

Fui barco a deriva, fui noite sem lua, verão sem calor

Hoje eu sou verdade, mas já fui engano

Já fui fonte seca, hoje eu sou oceano"

         Quando eu era criança, gostava de observar as outras crianças brincando. De alguma forma, isso me divertia mais do que descer no escorregador ou ser empurrada no balanço. Era encantador vê-las sorrindo, embora eu não soubesse que isso me tornava apenas uma mera observadora da vida dos outros, sem nunca viver a minha própria. Celine costumava dizer que eu era diferente porque viver não me agradava. Ela me fez experimentar coisas que eu nunca teria ousado por conta própria, e eu nunca disse não. Apenas fazia, sem mais nem menos, porque gostava de ver a felicidade em seus olhos quando conseguia me fazer dançar em uma festa ou usar uma roupa diferente do que eu estava acostumada.

         Agora, ao observar Ian enquanto o carro se movia e ao tentar absorver a traição, percebi que minha vida inteira havia sido vivida à mercê dos outros, seguindo o que me diziam que eu precisava fazer e como precisava me adequar. Era hora de viver minha própria história, de entender quem eu realmente era e para que havia nascido. Então, foi no banco de trás de um carro com meus sequestradores que eu tive uma visão.

         Eu podia ver o céu e até sentir o vento. Era como se eu estivesse sobrevoando as árvores, procurando por algo. Voei mais para o lado e encontrei a rua. Depois, vi dois carros e minha vista se ampliou como se estivesse dando zoom na imagem. Consegui ver a mim mesma sentada, com os olhos brilhando. Como eu conseguia ver a mim mesma? Forcei minha cabeça para que voltasse ao meu corpo, então olhei para o céu novamente. Abaixo das nuvens, vi um pássaro, uma águia majestosa que acompanhava os carros. Compreendi que antes eu estava vendo pelos olhos dela. O fato me animou e estampou um sorriso no meu rosto. Estela me olhava pelo retrovisor.

— Enfim, aceitou a sua missão? — Perguntou ela.

— Sim. --- Respondi ciente de que falávamos de coisas diferente.

         Fechei os olhos. Falo contigo, não porque quero fazer um pacto, mas porque quero ir onde nunca fui, porque quero sentir o fôlego que me foi dado, eu quero viver. Esse foi o pedido mais sincero de toda a minha vida.

— Droga. — Estela murmurou. — Droga, droga, droga.

         O carro começou a desacelerar. Ian olhou para mim, sua expressão tensa. Estela pegou uma arma do quadril.

— Cuida dela, eu lido com isso.

         Estela saiu do carro, e vi os outros vulpes saindo também. Só então percebi o que acontecia mais à frente. Parado no meio da rua, com uma grande espada na mão, estava Levi. Ele estava impassível, os olhos mais escuros do que nunca. Ele estava sozinho, sem nenhum nesher para ajudá-lo. Era apenas Levi.

— Nós vamos sair daqui. — Ian avisou, sua voz carregada de determinação. — E eu jamais vou perdê-la de novo.

— A visão não é de vocês, Ian. — Minha voz tremia enquanto eu me encostava na porta, tentando abri-la discretamente. — Na verdade, acho que ela nem é realmente minha, mas se me foi dada é porque eu consigo usar e vou usar para o que é certo.

         Abri a porta, após forçar minha mão a ir de encontro com ela, e quase caí para trás. Ian se apressou em sair do carro. O ar da noite estava frio, e eu senti a umidade da floresta se misturando com a tensão no ar. As sombras das árvores dançavam sob a luz dos faróis dos carros, criando um cenário surreal e ameaçador. Eu me vi com as mãos ainda amarradas, mas determinada a lutar pela minha liberdade.

DESPERTOS - A ESCOLHAOnde histórias criam vida. Descubra agora