Quando acordei às três da tarde, senti meu estômago contorcer, fui até a geladeira e bebi um litro de água de uma vez, e ali perdido nas grades encontrei o bolo de aniversário daquele canalha: comi os restos. Os restos de nós que ele deixou para trás estavam espalhados por cada parte daquele empoeirado lugar que chamávamos de lar.
Arranquei minhas roupas e as deixei jogadas no chão do banheiro, me deparei com meu reflexo no espelho. As olheiras estavam fundas e os cabelos opacos, como se eu tivesse me levantado de uma cova rasa. Liguei a água morna e a deixei massagear meu corpo, os cabelos grudaram em minhas costas e quando olhei para as unhas do pé percebi que o esmalte vermelho estava descascando. Quando me enxuguei com a toalha, senti aquele forte odor daquele número VIP que Chico rigorosamente tomava banho. O frasco ainda pela metade estava em cima da pia e sem pensar muito, espatifei o vidro preto na parede.
O banheiro foi incendiado por Chico, em cada quadrado daquele azulejo, era tão intenso que me nauseou, cambaleei para fora e caí de joelhos no chão. Chorei como uma criança perdida da mãe, querendo apenas colo. "Mas que caralho!" pensei enquanto enxugava as lágrimas na toalha. Me ergui como nunca antes, vesti uma roupa qualquer, daquelas que a gente esquece que ainda nos cabe. Abri a última gaveta do armário, onde guardávamos nosso dinheiro e me deparei com ela vazia. "Desgraçado!" Chico havia levado até meu dinheiro e fiquei possuída.
Arrastei cada gaveta, espalhei cada lençol que ele já havia gozado, gritei e sambei em cima dos destroços do ex casal, não só de amantes, mas de casados. Depois peguei uma mochila, enfiei mais roupas dentro e algumas coisas que poderiam ser necessárias, do bolso tirei um isqueiro e acendi uma faísca, joguei no chão e deixei que todo o perfume brigasse com as chamas antes de sair. Desta vez deixei a porta escancarada, quem quiser arrumar a bagunça de Chico, fique a vontade.
Andei por algumas quadras até chegar em uma avenida movimentada e estiquei a mão para cada carro que passava, continuei a andar sempre em frente até que um polo vermelho parou e um homem de óculos escuros e cavanhaque loiro sorriu perguntando para onde eu iria, dei de ombros sem saber o que responder.
— Entra ai. — Sua voz era grave.
Sentei no banco do passageiro e senti o cheiro de cachorro molhado de imediato, involuntariamente franzi a testa e o nariz, na mão esquerda eu vi a aliança dourada brilhar.
— Qual seu nome? — Ele pegou um frasco de odorizador e o borrifou por todo o carro, me olhando de cima a baixo.
— Bell.