-Kim
-O que faz aqui?
Suas sobrancelhas grisalhas em conjunto ao bigode estilo fu manchu sempre o fizeram se assemelhar a um ryu. Ainda mais sabendo da sua descendência japonesa.
Meu avô retira o charuto fumacento dos lábios ressecados e sorri com os olhos pequenos, para mim, sentada na poltrona do outro lado da sala do meu apartamento.
-Soube da sua breve visita em minha estufa, querida. O que fazia lá? Podíamos ter tomado um chá.
-De cianeto? Eu passo, vovô.
Kim faz com que sua risada perversa reverbere por todo cômodo, fazendo com que minha espinha se arrepie por completo.
-Não seja boba, Hyein. Sempre fui mais do jeito de matar com classe, assim como você.
-Eu não matei ninguém.
Kim avança, os sapatos de couro com bicos dourados brilhando contra o carpete verde musgo da sala. Seu charuto coreano dissipando o aroma suave do incenso de baunilha que costumo colocar.
Depois de conhecê-la.
-Nós dois sabemos da verdade, querida. Não há como escapar da consequência dos feitos que realizamos na vida, minha neta. Sejam bons ou ruins.
Suspiro fundo, massageando as têmporas conforme visualizo o horário neon na tela do relógio digital. 21:14.
-O que faz aqui, Kim? Sei que não veio pelo Kimchi na loja de conveniência da esquina, então por que não sejamos claros?
Meu avô sorri, fazendo uma reverência.
-Mas é claro, minha querida. Por que esteve na estufa hoje? Com sua parceira de negócios?
-Ela não é uma parceira de negócios. Trabalhamos juntas na SY e o senhor sabe muito bem disso.
-Por que a levou lá?
-Não sabia que era proibido.
Kim ergue o canto dos lábios em um meio sorriso nada convidativo.
-Você mais do que ninguém sabe o quão proibido é.
-Não estávamos no seu porão secreto trocando juras de amor, vovô. Apenas procurei por lírios do Vale. Scully queria saber como eram já que aqui não se encontra.
Ele nada diz.
-Por que o senhor os tem? Lírios do Vale? Aqui em Londres?
O velho ergue uma sobrancelha, buscando captar algo no meu semblante fechado.
-Que tipo de pergunta é essa?
-Uma simples. Por que cultiva Lírios do Vale?
-É o nosso símbolo de resistência, Kim. Uma flor que ultrapassa e sobrevive todas as estações do ano, independente do clima, do solo. Gosto de tê-la para lembrar de onde vim. De onde viemos.
Aceno uma vez, os lábios franzidos.
-Possui uma certa sentimentalidade com o seu lado Coreano? Assim como o japonês?
Kim sorri, mostrando os dentes possuindo os caninos incrustados em ouro.
-Prefiro não crescer entre o lodo, querida. -Busca outra vez a carteira de charutos, retirando um e acendendo a ponta, mirando o olhar em mim. -Não me decepcione, Kim. Temos um acordo e não permitirei que o quebre por pura rebeldia, está ouvindo? Não se garanta no amor, querida. Ele pode destruí-lo e quando fizer, restará apenas você. O seu verdadeiro eu. A sua alma sagrada.
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(EM PAUSA) MARIA ANTONIETA NÃO ESTÁ MORTA (ROMANCE LÉSBICO)
RomanceEm meio à arquitetura gótica de Londres, Annelise Scully, uma investigadora obstinada, enfrenta o desafio de desvendar a identidade de um ladrão em série que só tem olhos para joias da realeza. Mas há algo mais em jogo: sua ex-parceira e ex-amante...