Assim como bebês, mentiras crescem e aprendem a falar

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-Annie

No início, sinto o calor do seu corpo envolta do meu. Os cílios grandes rasparem contra o meu rosto, o cabelo longo esparramado pela camisa cinza que veste e principalmente seu perfume masculino inebriante.

Meneio o pescoço para o lado, bem devagar, a fim de não desperta-lá. Kim respira profundamente pelos lábios rosados entreabertos, tendo a pálpebra livre do tapa olho devorada com vasos sanguíneos roxos e verdes. Seu rosto é incrivelmente belo, sem nenhuma imperfeição. Não há rugas, manchas, marcas, a não ser da cicatriz no olho esquerdo que escapa por baixo da lapa de couro que usa. As bochechas são rosadas naturalmente, como se usasse blush antes de dormir.

Sorrio sem pensar, levanto o dedo até ela, indo de encontro ao lábio superior. Kim resmunga mas não se mexe, ainda com os olhos fechados. Passeio o mesmo polegar pelos fios finos da sua sobrancelha branca e a segunda, de cor mais escura. No entanto, busco arriscar e ir mais além, prosseguindo o dedo pela bochecha esquerda, elevando-o até a cicatriz rosada por baixo do tapa olho e quando estou prestes a tocá-lo, a sinto segurar meu pulso com força.

-O que está fazendo?

Oscilo as pupilas dilatadas pelo cinza da sua íris, acompanhando a voz firme e não muito gentil. Após perceber o gesto surpreso e hostil, a morena desgarra os polegares envoltos na minha pele e se vira de barriga para cima.

-Kim...Eu só estava te tocando.

-Por favor, amor, não toque nessa parte do meu rosto. Nunca. -Arfa, os lábios trêmulos. -Eu não quero que veja o que tem por baixo desse pedaço de couro.

Me aconchego um pouco mais nela, em nossa pequena cama de solteiro da pousada. Seguro seu pescoço com a mão direita, direcionando carinhos pela pele translúcida.

-Eu já vi, Kim. Estava com você quando...aconteceu.

Ela balança a cabeça, mais vezes que o necessário.

-É diferente, Annie. Está diferente e eu não quero que me veja como um monstro, embora uma parte minha seja.

-Um monstro? -Sorrio, puxando seu queixo para que me olhe. -Sinto muito em lhe dizer mas você sempre teve o jeito de uma fada, um elfo perdido na floresta, querida.

Vejo sua boca crescer em um sorriso e quando se inclina para me beijar, a porta do quarto se abre com um estrondo.

Três rostos nos olham com curiosidade, embora não pareçam surpresos.

-Ora, ora. Talvez tenhamos errado o quarto, rapazes. -Desdenha Landon, as mãos ocultas dentro dos bolsos da calça de alfaiataria. -Pretendem prolongar a estadia, moças? Há um motel no fim da rua.

Kim rosna, puxando o cobertor até um pouco mais acima do meu pescoço, mesmo eu estando completamente vestida.

-Vá se foder, B.

-Não tão bem quanto você. -Retruca.

Fred K me observa com certa peculiaridade e arqueio uma sobrancelha para ele, arrancando um sorrisinho debochado de Olivia.

-Não queria acordá-las, meninas. Mas Turner ligou, nos quer de volta na Inglaterra hoje a tarde. O jatinho sai daqui a meia hora.

Kim se senta sobre o colchão, cruzando os braços tatuados acima dos joelhos. Procuro fazer o mesmo porém ela me joga outra vez contra o travesseiro.

-Pegaremos um voo. Agora saiam.

Landon lambe os lábios volumosos, retirando um cigarro eletrônico do bolso do paletó. Ele lembra um pouco o Sidney Poitier de "Adivinhe Quem Vem Para Jantar". Até mesmo o sorrisinho devasso.

(EM PAUSA) MARIA ANTONIETA NÃO ESTÁ MORTA (ROMANCE LÉSBICO)Onde histórias criam vida. Descubra agora