X. Do Caos ao Cosmos, e de volta ao Caos

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A nudez de sua alma tornou-a suscetível às investidas do vento, e ela fora levada então pelas rajadas insensíveis e impiedosas que a faziam rodopiar e subir, subir e subir para muito além da superfície terrena. De repente, encontrava-se entre as estrelas brilhantes, em meio ao negror do universo. Do Caos ao Cosmos, pensou, imaginando quão solitárias suas velhas e conhecidas correntes estariam se sentindo. Ela ainda estava na Câmara Tronal, permitindo-se cair para um nível muitíssimo aquém de consciência, movida, da mesma forma que seus hóspedes, somente pela vontade instintiva, primitiva, de estar ali, vivendo dentro daquele instante simultaneamente real e antinatural, efêmero e eterno.

Mesmo ao dobrar os corredores, aquele sentimento permaneceu, de modo que fora somente ao fechar a porta de seu quarto, ouvindo o ranger das dobradiças metálicas e o bater de madeira em madeira, que ela se vira aterrada novamente, presente neste mundo outra vez. De súbito, lá estava, sólida e física à frente do Grande Rei, com todo o resto abandonado às pressas e sem arrependimentos, a presença dele a única outra neste cômodo.

A percepção do reconhecimento de que fora ali que ele a fizera para a noite lhe acometeu de um modo inesperado, culminando em um ligeiro fraquejar. Mas foi ao mirá-lo que a mulher vacilou de fato.

Olhá-lo, ainda que sob a pouca luz do luar que adentrava o quarto, fê-la contrair alguma espécie de hesitação por um instante. Toda essa reação por conta de como ele a estava encarando, com devoção o bastante para fazê-la parar.

Sem dúvida estava bonita, mas o que, em sua aparência, dava a ele tanta certeza de sua fé?

E tal qual um chicote inesperadamente lhe acertando a face, veio sua mente, mais certeira e mortal do que Jude poderia ser ao empunhar Cair da Noite:

Quantas vezes ele terá de responder sua pergunta? Quantas vezes ele terá de provar a você sua própria Imagem? Basta de questionar! Basta!

Em sua homenagem, ele fizera o possível e o impossível numa mesma noite. Homens e fadas não estavam confraternizando sob o mesmo teto à toa, ou por algum engodo de Mãe Marrow. Jack e Hazel eram tão reais quanto ela e Cardan. Severin, o novo Alderking, e Ben, o músico, também. Aquele era seu sonho tomando forma, o sonho que ela havia segredado em meio aos lençóis deles, um sonho agora compartilhado por ambos, e aqueles quatro haviam sido utilizados como prova. Da mesmíssima maneira, ela não estava trajada, maquiada e penteada conforme a visão dele, uma visão que se mostrara tão acurada que encontrou dificuldade em admitir que ele a conhecia melhor que todos os outros?

Conforme o tempo se passava, e Jude e Cardan acumulavam intimidades, acumulavam confiança, a mulher se soltou, permitiu-se ser levada por ele, permitiu-se simplesmente ser ao lado dele, permitindo que este visse cada uma de suas inseguranças e as tratasse como preciosidades as quais ele guardaria para e em si como se fossem dádivas, presentes. Por isso, por que agora ela se surpreendia com tudo aquilo. Permitira-se duvidar por quê?

Sim. Basta de questionar, sua tola. Supere suas dúvidas. Você tem outras prioridades.

Pois, afinal, para que o havia tirado da festa senão para recompensá-lo mais apropriadamente? Seria para o prazer de ambos, seria para ambos.

Uma parte dela, entretanto, sentiu-se compelida a dizer:

— Deve me achar uma tola por não dar utilidade à tua festa. Sei que se esforçou para fazê-la acontecer em meu nome, com os humanos e tudo o mais. Mas julguei que faríamos melhor proveito aqui do que lá, já que ainda que você tenha tornado o cenário propício, eu ainda não participaria de uma orgia, que é exatamente o que está acontecendo no Salão Tronal neste mesmo instante. E não apenas lá — disse ela, algum conhecimento instantâneo surgindo em sua cabeça.

Uma Imagem À Sua Altura, Minha Doce NêmesisOnde histórias criam vida. Descubra agora