capítulo 7

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Heloísa Sampaio

Era estranho estar de volta em um lugar que te traz memórias de uma pessoa que não existe mais, de uma mulher que foi esquecida há alguns anos junto com a assinatura em um pedaço de papel.

Aquela Heloísa que vivia uma vida conjunta do marido, que dormia e acordava nos seus braços, que morava no mesmo apartamento e dividia uma vida com ele, não existe mais. Mas ela vem me revisitando nos últimos dias, pouco a pouco no apartamento de Stênio.

E é esquisito ver que ainda existe um pouco dessa mulher dentro de mim, mesmo que eu faça questão de sempre deixá-la muito bem guardada.

— Creusinha, não vai dar tempo de tomar café porque tenho um caso dificílimo pra resolver. — dei um beijo rápido na sua bochecha, já indo em direção à saída da cozinha. — Cadê Stênio?

— Ihh, aquele lá saiu mais cedo que a senhora, disse que surgiu um problema com um cliente e que também não vem almoçar. — conseguia perceber de longe o quão tensa a maranhense fica a cada vez que nossa vida maluca nos faz viver esses momentos tensos.

Em uma rara demonstração de afeto da minha parte, me aproximei dela e a abracei de lado, dando mais um beijo na sua bochecha.

— Fique nervosa não, tu sabe que vaso ruim não quebra e aquele lá... ruinzissímo. — tentei aliviar o clima da forma que deu, não querendo também mentir para que ela se sentisse bem.

Nosso trabalho é perigoso e já tínhamos vivenciado e muito dessas situações problemas, mas sabíamos nos cuidar e isso bastava.

— Você não tem jeito mesmo, né Donelô? O homi é doido na senhora e você só maltrata o bichinho.

Quando a sessão de defender o pobre coitado (que de coitado não tem nada) começou, decidi que era a minha hora de dar o fora dali.

— Fui!

O restante do dia foi tão sufocante que eu nem tive tempo de pensar no caos que minha vida tinha se tornado, até mesmo chegando a esquecer de perguntar para Stênio o que tinha dado na vistoria do meu apartamento.

Se é que ele tinha lembrado de ir.

Além do cansaço físico, sentia minha cabeça latejar de tanta dor pelo tanto de barbaridade que presenciei naquele dia. Talvez um dos dias mais difíceis desde que eu tinha sido transferida de delegacia, e também o primeiro em que eu pensei em desistir de tudo.

Ser delegada já me envolve automaticamente em situações difíceis e muitas vezes pesadas, mas quando tudo está relacionado à crianças inocentes que não têm culpa da monstruosidade do mundo, é complicado.

Me falta o ar, me dá desespero só de pensar em ver minha neta passando por alguma situação dessas. É angustiante, é cruel.

E hoje é um daqueles dias que eu tive que pedir licença e chorar no banheiro pra colocar pra fora toda a angustia que eu sentia, chegando ao ponto de vomitar de nojo, de raiva, de uma mistura de sentimentos.

Apesar de ter toda essa casca que me faz forte, tem momentos que nem mesmo a mais dura das mulheres está preparada para viver.

Cheguei no apartamento de Stênio só querendo a sua cama, para que eu pudesse dormir até que meu cérebro esquecesse tudo que eu vi e vivi no dia de hoje. Para que amanhã eu pudesse voltar a ser a mesma delegada de sempre, imbatível.

Mas hoje, eu me permiti ser vulnerável.

Queria ter conseguido chegar até o quarto para ter a privacidade que eu precisava naquele momento, mas desabei em um choro sofrido ali mesmo, no sofá da sala.

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