capítulo 19

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Heloísa Sampaio

Após dispensar um homão daqueles por causa de alguém que não deveria me bagunçar tanto a essa altura do campeonato, aproveitei da solidão do apartamento de Stênio pra me afundar nesses sentimentos todos.

O mais intenso sempre seria a raiva, o ódio por não conseguir me manter longe dele, por precisar dele perto de mim, mesmo enquanto eu tento odiá-lo. Algumas lágrimas escorreram pelo meu rosto ao me dar conta que talvez eu também não quisesse me ver livre dele, nem um pouco.

Mas é tão difícil assumir tudo isso, principalmente pra mim mesma. Assumir que me deixei levar pelos sentimentos em relação a Stênio, é ter que esquecer tudo que vivemos no passado.

Será que eu sou capaz de esquecer tudo que já passou? De acreditar que ele realmente é um novo homem e merece uma nova chance?

É mais complicado do que parece, mas dói. Dói muito mais do que deveria.

Só sei que acordei no dia seguinte deitada em sua cama, lugar o qual eu tinha certeza de que não tinha adormecido. Provavelmente ele deve ter chegado e me colocado ali, para que pudesse dormir em paz no sofá.

— Bom dia, Creusinha. — me aproximei da maranhense na cozinha, deixando um beijo em sua testa.

— Bom dia, donelô. Já deixei seu café bem forte do jeitinho que a senhora ama. 

— Obrigada, meu amor. — minha garganta chegava a coçar pra perguntar o paradeiro de Stênio em um sábado de manhã.

No escritório sei que ele não está, pois Laís tinha comentado comigo que não tinham deixado nada marcado naquele dia.

— Dotô Stênio foi buscar Nena lá na Drika, disse que tava morrendo de saudade dela. — como um anjo enviado dos céus, Creusinha respondeu todas as minhas perguntas.

E não havia nada de novo em ter Serena conosco em um final de semana, aliás, já vinha até se tornando rotina nessa casa.

— Vou aproveitar pra ligar pro encanador e entender como estão as coisas com nossa casinha. — peguei meu celular, no intuito de resolver todas as pendências da reforma do meu apartamento.

Mas o mundo parecia conspirar contra mim, visto que o encanador e os pedreiros pediram mais duas semanas para conseguirem finalizar toda a obra. 

— Acho que vou procurar um lugar pra gente ficar, Creusinha. Duas semanas é muita coisa pra ficar de favor aqui. — comentei, ao mesmo tempo em que uma Serena saltitante passou pela porta toda alegre. — Oi, minha princesa.

Peguei a criança no colo, enchendo seu rostinho de diversos beijos, como se não nos víssemos há anos.

— Oi, vó. A gente passou no mercado e eu e o vovô vamos fazer nosso almoço hoje. — comentou alegre, só então me fazendo dar conta da presença de Stênio na cozinha.

Sua feição poderia até mesmo parecer neutra para cada um que o visse, mas para mim ele sempre seria claro como água. Só pelo maxilar apertado e a respiração funda, eu já conseguia perceber que ele estava irritado.

Com Serena é que não era, porque nem que ela fizesse a maior barbaridade do mundo, ele seria capaz de sentir ódio dela.

— Que delícia, Nena. — respondi sem tirar o meu olhar de Stênio, achando-o esquisito. — Deixa suas coisinhas lá no quarto da vovó.

Assim sendo, Creusa saiu junto de Serena para o meu quarto para ajeitar as coisas que Serena trouxe para passar o final de semana aqui.

Aproveitei do momento a sós para me aproximar de Stênio, querendo entender o que acontecia ali.

— Que foi que tu tá com essa cara? 

Diferente de todas as vezes que ficávamos sozinhos e ele aproveitava pra me agarrar de algum jeito, o advogado se afastou como se a minha presença fosse quase sufocante. Isso me deixou ainda mais em estado de alerta, sem entender sua atitude.

— Tava com saudade dela... aí pedi pra Drika deixar ela aqui até amanhã à noite. — comentou enquanto andava até o outro lado da cozinha, distante o suficiente de mim.

Mesmo depois de nossas brigas, ele sempre era o primeiro a ceder e voltar a falar normalmente comigo. Mas agora tudo parece diferente, aliás, ele está diferente.

— Você tá assim comigo por causa de ontem? Por causa do Renato? — só de ouvir aquele nome saindo da minha boca, Stênio fechou os olhos como quem não quer ouvir. — Stênio, ele só me trouxe em casa.

— Não quero saber, Helô. Aliás, nem preciso saber. — ele foi curto e grosso, como nunca havia sido comigo. — Você não fez nada de errado e também logo vai se mudar daqui e as coisas voltam ao normal entre a gente. — sua voz era mágoa pura.

Por mais que sua boca falasse uma coisa, suas atitudes iam totalmente contra ao que ele dizia. Eu conseguia enxergar nos seus olhos uma chateação que eu nunca vi antes, nem mesmo nos nossos dois divórcios.

Ele era sempre o que mais sofria com as nossas separações, mas nunca nem chegou perto desse olhar que enxergo agora. Para além de chateação, havia muito mais que eu não conseguia decifrar ou entender.

E isso me deixava agoniada, talvez até mesmo com um pouco de medo.

— Por que você tá falando assim comigo? — perguntei sincera, querendo que ele voltasse a ser aquele Stênio falante, espaçoso, sem noção.

Esse advogado que está na minha frente agora não tem todos os traços do que eu gosto, dos que eu já estou acostumada há quase uma vida inteira.

E eu odeio essa nova versão.

— Nada, Helô. Só não dormi bem essa noite. — ele até tentou sorrir, mas o sorriso era tão falso que chegava a ser engraçado.

— Sério? Tu vai ficar me tratando desse jeito agora? Só por que eu peguei carona com um cara enquanto tu tava ocupado demais com a sua cliente? — falei firme, já começando a ficar estressada com a cara de descaso que ele tinha.

Mais do que me irritar, Stênio estava querendo que eu surtasse completamente. Na frente da neta, de Creusa, de todo mundo.

— Não tô tratando de jeito nenhum, Helô. Muito menos seria eu a te cobrar por alguma coisa, já que nós não combinamos nada sobre exclusividade. — o pior de tudo é que ele realmente parecia sincero, apesar de tudo.

Bufei estressada, cruzando os braços em frente ao meu corpo.

— Se você não está bravo comigo, então, você vai pro meu quarto depois que as duas forem dormir igual todas as noites? — levantei a sobrancelha, querendo ver até onde ele ia com aquele teatrinho todo.

Irritante pra caralho.

— Hoje não vai dar... Eu já tô cansado e ainda temos que segurar essa energia toda da Serena, não dá. Preciso dormir direito essa noite. 

Mentiroso desgraçado.

O que ele se esquece é que eu já o conheço como a palma da minha mão, e eu sei muito bem quando ele está mentindo ou tentando me passar pra trás, como agora.

Não sei o que aconteceu depois que saí daquele bar ontem à noite, mas alguma coisa mudou. 

Talvez eu tivesse ido longe demais ao sair de lá com outro homem, tudo isso enquanto ele me assistia. Talvez eu realmente merecesse esse gelo que ele está me dando, depois de tanto correr atrás de mim.

Mas será que não era o momento de eu aproveitar pra deixar tudo pra lá? Fingir que nada aconteceu entre nós dois, voltando à amizade que estávamos conseguindo construir.

Ao mesmo tempo que tentava pensar sensatamente, não conseguia controlar os meus próprios sentimentos. Em relação a Stênio, eu sempre fui muito confusa. 

Ele me bagunça, me confunde, me faz ser uma mulher que eu às vezes odeio, e às vezes amo.

É difícil gostar de Stênio, de tê-lo por perto. Mas é ainda mais difícil não amar ele, com seu jeito doce, com a forma carinhosa que trata nossa neta como se ela fosse o centro do universo.

É difícil assumir que eu o amo, mas é impossível dizer que não sinto nada. 

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