capítulo 47

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Stênio Alencar

O fim do sonho chegou mais rápido do que eu poderia imaginar, obrigando-nos a voltar para o Rio por conta da escola de Serena. Ela já tinha faltado quase uma semana inteira, não dava pra prolongar ainda mais a viagem.

Apesar de Helô e eu ainda podermos ficar mais uns dias por aqui, já que ela tinha tirado quinze dias de férias, acabamos voltando junto da nossa neta para a vida real.

E não posso negar que fiquei um pouco temeroso, sem saber como as coisas seriam quando voltássemos para casa. A delegada sempre me surpreendia com suas reações e modo de agir, quando saímos de um lugar só nosso, para junto de outras pessoas.

É normal o meu receio, porque sempre me iludia e acabava caindo do cavalo.

Após deixarmos Serena na casa da nossa filha, com a promessa que no final de semana passaríamos buscá-la para passear, fomos de carro até o apartamento de Helô.

Estacionei o carro na rua, já esperando que ela descesse e eu pudesse ir para minha casa sozinho. Como sempre acontecia, como ela fazia questão de fazer em todas as vezes.

Mas ela sempre me surpreende, até quando eu nem espero mais nada dela.

— Ué, não vai subir comigo? — franziu a sobrancelha ao notar onde eu havia parado o carro, e eu acabei olhando-a um pouco confuso.

— Não sei... É pra subir? — não queria ultrapassar nenhuma linha com ela, mas também precisava que ela dissesse tudo.

Talvez fosse só o meu ego querendo ouvir da boca dela que ela queria que eu ficasse, que eu subisse com ela, que dividisse sua casa e sua vida comigo. 

— Tu não ouviu sua neta, não? — ela falou divertida, me olhando tão profundamente que eu entregaria minha vida nas suas mãos com facilidade. — Pra morar com a vovó precisa namorar ela, você... — apontou o dedo na minha direção. — Já me pediu em namoro.

Sem que eu pudesse ter nenhum tipo de reação, ela foi saindo do meu carro sem mais nem menos. Antes de entrar no condomínio, virou na minha direção novamente.

— Você ainda lembra qual a sua vaga no estacionamento, né?

E eu fiquei paralisado ali, sem reação alguma.

Claro que eu esperava que fôssemos resolver nossa vida como casal quando voltássemos para o Rio, mas jamais imaginei que seria tão rápido assim. E pior, que aconteceria de maneira tão natural como está acontecendo.

Eu que não sou bobo, já fui logo entrando com o carro na garagem do prédio dela, cumprimentando o porteiro que já me conhecia de longa data.

A verdade é que eu nunca deveria ter saído daqui, porque é bizarro a maneira como me sinto em casa nesse lugar. Até o estacionamento é extremamente familiar, aconchegante.

Peguei nossas malas e fui em direção ao apartamento, já imaginando a felicidade de Creusa ao me ver chegando de mala e tudo. Ninguém torce mais por nós dois do que ela, isso é fato.

— Creusinhaaaa, amor da vida. — entrei no apartamento já chamando a maranhense, morto de saudade dela.

Não demorou muito para ela aparecer no meu campo de visão com um sorriso de canto a canto do rosto, toda alegrinha com a minha presença ali.

— Ai São Benedito, eu sabia que vocês dois iriam se resolver, eu sabia. — ela veio até mim, me abraçando forte. — Eu bem que disse pra donelô que ela tinha que ir atrás do sinhô, viu? Ainda bem que ela me ouviu dessa vez.

— Ainda bem, Creusinha. — sorri, dando um beijo na sua cabeça. — Vou levar nossas malas pro quarto, acho que vamos descansar um pouco, tá? Aproveita pra dar uma saidinha, ir na Vila ver o pessoal.

De fato, eu só precisava descansar depois das três horas de viagem de Búzios pra cá, tendo vindo dirigindo o caminho todo enquanto Helô entretia Serena para que ela não sentisse tanto o tempo longo de viagem.

— Ah, dotô Stênio... Vou aproveitar visitar minha sobrinha, então. Se precisarem de alguma coisa, podem me ligar. — a maranhense falou, toda carinhosa.

E que falta que eu senti dessa mulher nesses dias longe, do seu cuidado, do seu afeto, da forma que ela faz todas as minhas vontades, mesmo sabendo que Helô odeia que ela fique me mimando.

— Fica em paz, Creusinha. A gente se vira aqui.

Me despedi dela, pegando as nossas malas e indo até o quarto, procurando pela delegada que estava bem silenciosa.

— Helô? — chamei assim que adentrei o quarto, meio receoso de sair entrando totalmente ali.

Apesar de já ter até morado naquele apartamento, era estranho voltar para cá depois de tanto tempo. Mesmo ela tendo me chamado pra ficar aqui com ela, eu ainda sentia que havia muito dela ali, e pouco meu.

— Tô no closet. — ouvi sua voz abafada, vindo diretamente do seu closet de roupas.

Deixei as malas ali mesmo, no centro do quarto, e fui andando atrás dela.

— O que tá fazendo aí? — perguntei curioso, ao vê-la mexendo nas suas roupas e trocando algumas delas de lugar.

— Liberando espaço pra você colocar suas roupas, ué. — falou simples, como se não fosse um grande passo. — Ou vai querer ficar com a roupa amarrotada dentro da mala pra sempre? 

Não consegui nem reagir direito à sua fala, de tão surpreso que eu fiquei. Ainda era engraçado vê-la tão livre e aberta com esse relacionamento, parecendo até mesmo uma nova mulher.

E isso jamais seria uma reclamação, jamais mesmo. Essa Helô é muito mais leve, mais fácil de lidar e mais aberta a entender o meu lado e me ouvir. Grande parte das nossas brigas em todos os casamentos era justamente essa dificuldade dela de me ouvir, de se comunicar comigo.

Ainda estamos caminhando pra conseguir driblar esse problema em sua totalidade, mas já estamos muito mais evoluídos do que anos antes. E isso é muito grandioso.

— Então você tá me chamando pra morar com você mesmo? — perguntei só de besta, pra ouvi-la falando mais uma vez o que queria.

Parecia que eu estava vivendo um sonho constante, vendo-a tão linda e leve assim.

— Tu tá me dando muita chance pra desistir, Stênio... Fica esperto. — ela falou em tom firme, mas percebi que segurava uma risada. — Mais uma vez que tu perguntar, vou te mandar de volta pra sua ca-si-nha.

— Não está mais aqui quem falou. — me aproximei dela por trás, agarrando sua cintura. — Até porque... Se eu me lembro bem, alguém disse que não sabe mais dormir sem mim.

Deixei um beijo no seu pescoço, sentindo ela se arrepiar com meu toque. Como é bom ter total controle sobre as reações dele, sobre seu corpo, sobre tudo.

Ter Helô nas palmas das minhas mãos era tudo que eu sempre quis, e eu jamais iria desperdiçar essa nova chance que ela está me dando.

— Me ajuda a colocar minhas coisas no armário? — sussurrei no seu ouvido, grudando ainda mais nossos corpos.

— Sim, doutor Alencar. — ela puxou ainda mais o R ao falar meu sobrenome, animando lugares do meu corpo que não deveria.

Heloísa Sampaio sempre seria a minha ruína.

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