Capítulo 3 - Aliança Sem Par

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2017, São Paulo.

A comida parece não ter gosto. O vinho não me surte efeito. A música não me emociona. As pessoas não me irritam. Absolutamente, tudu parece sem graça e sem sentido.

Estou jantando com os produtores e o elenco do programa no salão privativo que o hotel nos ofereceu. O lugar de Henrique está vazio e o fato de ninguém falar nada ainda me dá um pouco de esperança de que não tenha deixado-me, mas é impossível. Enfiei a faca à fundo na carne afim de declarar que meus pensamentos não estavam postos à mesa sem cerimônia. O tempo parece estagnado. Essa está sendo a noite mais longa da minha vida. Acreditem.

Às onze e meia da noite, meus companheiros despediram-se de mim, deixando-me na porta do quarto em que eu estava. Ana lançou-me um "eu te amo" aos altos do hotel, deixando claro que estava bêbada, sorri disfarçadamente olhando a cena não tão declarada de Marisa a arrastando pelos corredores. Sabia que Ana não chegaria no seu quarto sozinha. As noites do elenco têm sido assim, mas, as minhas, não.

Por minha vez, caminhei pelos corredores até chegar na recepção, enrolando-me no xalé que fazia-me companhia. Eitor, o gatinho que nos acompanhou pelo hotel, passava por minhas pernas

Pequetito, no 'tá muy tarde pra você ficar aqui na recepção? — Sussurrei para Eitor, que olhava-me como quem diz "carinho, por fabor" — Oke.. Carinho, ?

Sorrio para Eitor abaixando-me para acariciar seus pêlos alaranjados, e se seus olhares não denunciassem, diria que ele estaria precisando deitar-se no chão frio da recepção deixando sua barriga para cima. Levantei despendindo-me de Eitor, sussurrando que sairia para a praia. Ele entenderábom, eu acho, que ele piscou lentamente para mim, virando-se.

Caminhei pela orla, observando a areia coral se perder de vista e encontrar o grande e infinito mar azul-escuro, sob o céu estrelado que reluzia o fim da estação. Como se um manto cobrisse todo o horizonte, em uma tela que mais parecia obra de um pintor. Mas numa tela que a vida havia manchado pela confusão de suas cores.

Continuei andando até que meus pés tocaram a areia fria. Senti os grãos passando entre meus dedos e fechei os olhos, com a sensação misturada à brisa fina que me abatia.

Quando foi a última vez que coloquei os olhos em uma praia?

Quando foi a última vez que pisei nessas areias?

Não me lembro.

Não consigo me lembrar.

Mal me lembrava das vezes em que saí sozinha na minha vida. Quando vagamente me lembro à primeira vez em que eu saí sozinha foi quando faltava algum tempero, ou quando saía para a escola aproveitando para sentar-se no banquinho da praça. Desde então, as pessoas sempre estiveram presentes ao meu redor. Mas a solidão, não, ela sempre me acompanhou.

Sentei-me na areia olhando para cima, acima da linha das nuvens, uma esfera amarela assustadora está emergindo. É a lua, iluminada, gigantesca e inchada, com a cor de limonada. Eu não consigo parar de observá-la erguendo-se cada vez mais alto, saturada de brilho, como uma ferida. Ou como uma porta totalmente iluminada pela dor. Em 2013, olhei para a mesma no céu — ou a irmã gêmea dela — pensando como é confortável estar no que não é pensado.

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⏰ Última atualização: Sep 23 ⏰

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