O livre-arbítrio que eles perderam

188 18 4
                                    


De todas as coisas horríveis que ele teve que fazer desde que recebeu a marca negra, a que mais estava doendo nele foi a captura de Hermione Granger. Não que ele se importasse com ela. Não era isso. Mas o modo como as coisas aconteceram o fizeram estremecer de horror diante do destino trágico que ela teria. E por culpa dele! 

O trio de ouro estava desaparecido há muitos meses e havia boatos de que eles estavam conspirando contra Voldemort. Quando eles tentaram invadir o Ministério, os comensais da morte os perseguiram e os três se separaram. Draco não queria realmente capturar nenhum deles, mas acabou encontrando Hermione sozinha, escondida embaixo da mesa de uma das salas do Ministério. 

Ele apontou a varinha para ela, mas não tinha realmente a intenção de pegá-la. Ele a odiou a vida inteira, mas não a ponto de matá-la. Na verdade, ele não queria realmente matar ninguém, queria apenas escapar ileso da guerra e voltar a ter uma vida tranquila, curtindo sua fortuna sem se preocupar com política.  

Eles ficaram se olhando em silêncio. Se ainda estivessem na escola, ele teria azarado Granger ou feito algum comentário maldoso sobre o sangue dela. Mas vê-la ali, indefesa, escondida debaixo de uma mesa, fez com que ele se lembrasse de que os tempos de bullying juvenil ficaram para trás. Tudo, agora, era uma questão de vida ou morte.

Depois de pensar mais um pouco, ele decidiu:

- Foge, Granger! Desaparece daqui, vamos! Não quero matar você! 

Ela tentou se levantar, mas ficou paralisada quando viu Bellatrix se aproximando.

- Ora, ora, o que temos aqui? Uma leoa caiu na sua armadilha, sobrinho? O lorde das trevas vai ficar orgulhoso! Não a matem! - avisou ela para os outros comensais da morte que se aproximavam. O nosso Senhor quer a sangue ruim viva!

Draco sentiu-se tonto. Se ele não tivesse demorado tanto a se decidir, a sabe-tudo poderia ter fugido. Ele a odiava na escola, mas era um tipo de ódio que parecia ridículo agora. Ela tirava notas mais altas do que as dele, era arrogante, metida e melhor amiga do insuportável Harry Potter. E também tinha nascido trouxa, algo que ele foi ensinado a vida inteira a desprezar... Mas nada disso importava mais. A violência que ele testemunhou e até cometeu como comensal da morte tinha mudado quem ele era. 

O menino mimado estava morto e enterrado há tempos. De repente, notas em provas, provocações escolares e status sanguínio deixaram de ser importantes. Ele não tinha mais contato com ninguém da idade dele. Os amigos da sonserina que tinham pais comensais da morte foram todos poupados. Ele só foi obrigado a aceitar a marca porque Voldemort queria punir o pai dele pelos muitos fracassos. 

Pansy, Theo, Zabini,  Crabbe, Goyle e as irmãs Greengrass estavam em Hogwarts, cursando o sétimo ano. A única missão deles era ajudar Snape, o novo diretor, no que fosse necessário. Mas puderam continuar sua vida tranquila de adolescentes puro-sangue privilegiados, mesmo enquanto a guerra explodia! 

Enquanto isso, Draco estava sozinho há meses com todos aqueles fanáticos malucos que adoravam Voldemort como se fosse um deus. A mãe dele estava apática, o pai dele parecia um louco e a tia com certeza tinha algum problema mental sério. Draco se sentia sozinho e acuado dentro da própria mansão desde que Voldemort se mudou para lá com todos os comensais. Ele tentava fazer o que mandavam e chamar o mínimo de atenção possível, mas no fundo desejava que Potter realmente fosse o tal do escolhido e conseguisse acabar de vez com aquela agonia.

O único comensal de quem ele gostava era Snape, seu padrinho. Mas ele era diretor de Hogwarts e aparecia pouco na mansão. Snape o treinou, em segredo, para desenvolver Oclumência, desde os 11 anos. Draco jurou nunca contar para ninguém, nem para os pais, nem para os amigos.

- Você tem um talento natural para ocluir, Draco. Um dia isso poderá salvar a sua vida! 

Foram muitos anos de treino, de leitura de livros raros e proibidos e de estudos sobre o assunto. Draco não só aprendeu a esconder suas memórias e seus sentimentos, mas também a mentir e a manipular. Snape sempre o elogiava. 

- Você é o aluno mais inteligente que já tive, Draco! 

- Você fala isso porque é meu padrinho... mas a bruxa mais brilhante da minha geração é a aquela insuportável sabe-tudo do Potter!

Snape discordou:

- Ela é inteligente, sim. Muito mais do que aqueles dois idiotas que não desgrudam dela. E tem fome de  conhecimento. Mas ela não tem esse seu dom de observação, essa sua esperteza, essa aptidão que você tem para magia negra. Oclumência é magia negra. Você já era bom em esconder seus sentimentos antes de eu te ensinar. As coisas que ela sabe estão nos livros didáticos. As que você será capaz de aprender, Draco, não estão. E essa inteligência nata que você tem ainda vai ser muito útil! Isso é poder!

Draco não estava interessado em ter poder. Ele se ressentia do quanto seu pai perdeu tempo com toda essa obsessão a vida inteira. Eles já eram podres de rico, poderiam apenas curtir o dinheiro, pra que poder? Pra que influenciar no Ministério? Pra que desejar que Draco um dia fosse ministro da magia? 

Lucius não se conformava com sua falta de ambição. Sempre dizia que ele era um preguiçoso. Talvez fosse mesmo. Tinha sonhos pequenos, que narcisistas como seu pai chamavam de "medíocres". Ele só queria terminar Hogwarts e ir viajar pelo mundo, conhecer mulheres de todos os continentes, aproveitar a vida, ser o que os trouxas chamam de playboy.  

Mas agora tudo isso tinha ficado para trás, assim como a sua infância e a sua adolescência. Toda vez que ele olhava para a marca, sentia que tinha se transformado num patético servo de um maluco psicopata. Ele não entendia o porquê de toda aquela devoção de seu pai e dos outros. No fundo, todos eles eram apenas escravos de Voldemort.  

O livre-arbítrio fora arrancado dele. E agora, por culpa dele, a garota de ouro também tinha perdido o livre-arbítrio dela. Ele não desejava a vida de escravo para ninguém, nem mesmo para ela. Mas ela não era problema dele. Ele não ia interferir, jamais arriscaria a própria pele por uma criatura detestável como ela. Aliás, não arriscaria a própria pele por ninguém. Ficaria na dele, chamando o mínimo de atenção possível. Mas desejou que, pelo menos, a morte dela fosse rápida. 

Granger foi amordaçada, amarrada e levada para a mansão. Draco tinha certeza de que ela seria torturada até a morte com crucious, mas Voldemort tinha outros planos para ela.

- Potter está fugindo como um ratinho, não é? Está se escondendo de mim?

Hermione ficou surpresa. Voldemort era tão arrogante que sequer cogitava a possibilidade de eles saberem sobre as horcruxes. Ele não iria torturá-la por informações?

- Snape já me contou tudo, sangue ruim! Ele me disse que Potter está apenas se escondendo, apavorado pela possibilidade de me encontrar! Eu sei que vocês estão acampando por todo o país, sempre fugindo. Mas uma hora nós dois vamos acertar as nossas contas, sangue-ruim!

- O que vamos fazer com ela, Mestre? - Bellatrix perguntou. - Posso torturá-la com crucious até a morte!

- Não, Bella. Isso é tão sem imaginação... todo prisioneiro espera por isso, até a sangue ruim... Não! Eu vou usá-la como exemplo para todos que insistirem em ficar ao lado de  Potter! Vou organizar uma cerimônia amanhã no salão de festas da mansão. Quero todos os comensais da morte reunidos aqui. A sangue ruim será estuprada por todos eles. Depois, vamos tirar as memórias dela e mandar para a Ordem junto com seu corpo decapitado.

Hermione ficou paralisada de choque, sem reação. 

Draco tentou ficar indiferente, mas não conseguiu. Aquele era um destino tão cruel que nem mesmo a sabe-tudo merecia. 


O segredo da serpenteOnde histórias criam vida. Descubra agora