21. Pesadelo

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Aquiles

Talvez, se a fumaça não tivesse me deixado tão tonto, eu tivesse percebido o que estava acontecendo antes de realmente acontecer. Eu não prestei atenção em nada ao meu redor: eu só queria tirar Katriel dali. Do meio da fumaça, do meio do fogo. Ele estava em choque, inalando fumaça, a garganta fechando mais rápido do que a de qualquer um ali por causa da asma, e eu só conseguia gritar, e gritar, e o arrastar para fora comigo. Tudo parecia saído de um pesadelo, tudo parecia estar, ao mesmo tempo, em câmera lenta e rápido demais. Quando finalmente saímos de dentro do salão, ambos caímos no chão, meu abraço forte segurando Katriel, o alívio de estar vivos, vivos, ia ficar tudo bem, ia ficar tudo bem. Talvez eu tenha dito em voz alta. Não sei dizer. Eu não pensava em mais nada, eu só queria segurá-lo como se fosse capaz de esquecer que quase o perdi.

E então, quando me seguraram por trás, quando me puxaram para longe e seguraram o pano contra meu rosto, eu mal consegui resistir antes de desmaiar.

A última coisa que vi foi Katriel tentando me alcançar e sendo chutado para longe, e então tudo ficou escuro. Quando acordei novamente, a primeira coisa que eu fiz foi procurar por ele, tentar estender os braços em uma busca desesperada, mas, assim que tentei, reparei que meus braços e pés estavam amarrados. Estava completamente escuro, então não consegui ver onde eu estava. Tentei gritar, mas minha boca estava tampada com uma fita. Eu sabia que o desespero não ajudaria, mas só consegui tentar me debater, puxar, tentar soltar as cordas de alguma forma.

Onde eu estava? Por que isso estava acontecendo? Katriel estava bem? Eu não poderia morrer e deixá-lo sozinho. Não, não, eu não podia morrer antes de salvá-lo. Não tínhamos muitos dias até minha visão se tornar realidade. E tinha tanta coisa que eu não disse. Tanta coisa que eu não fiz. Aquele não poderia ser meu fim.

Tentei não enlouquecer nas horas que fiquei amarrado no escuro, tentei me acalmar, pensar em Noelle e Kat para me manter o mais estável possível. Eu iria sobreviver. Iria fazer de tudo para sobreviver e voltar para eles.

Quando as luzes se acenderam, um arrepio subiu pelas minhas costas ao ver Flávio vindo até a minha direção. Claro, tinha que ser ele.

Olhei ao redor tentando identificar algo sobre onde estava, e então, como entrar em um pesadelo, percebi que era o local do meu sonho. O galpão abandonado onde o vi incendiar com Katriel dentro no sonho.

Ao tentar falar algo, fui lembrado que minha boca estava tampada com uma fita.

—Finalmente eu e você estamos cara a cara de novo — Flávio disse, caminhando até mim. — Dá última vez, você fez questão de me deixar com um olho roxo. Então entenda tudo que está acontecendo aqui apenas como uma devolutiva, uma consequência das suas próprias ações.

Ele atingiu meu rosto com um soco, e minha visão ficou embaçada.

Flávio puxou a fita da minha boca com força.

— Se você gritar, eu te mato aqui mesmo. Vamos ter uma conversa civilizada.

— Isso não me parece... — comecei a falar, a garganta arranhando. Tossi e tentei de novo. — Não me parece uma maneira muito usual de ter uma conversa civilizada. O que você quer de mim? Katriel está bem? Você machucou ele?

— Uma pergunta de cada vez. Primeiramente, é claro que eu não machuquei Katriel. Eu nunca o machucaria. Ele é meu anjinho, meu garotinho.

Minhas mãos se fecharam em punhos. Eu queria poder tirar aquele sorriso dele no soco.

— Você é nojento.

— Não, você é por não perceber o que está acontecendo aqui. Você não percebe que o Katriel é meu? Que ele só está te usando? Você está aqui porque pegou algo que é meu e eu quero de volta.

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