O céu escuro

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Nicolas desceu do trem sentindo-se levemente enjoado, odiava a sensação de mover-se tão rápido e sem controle algum. A estação de trem do sudeste era a maior do país e naquele momento fervilhava de pessoas, era-se quase impossível de se situar, mas Nicolas sorriu, ele adorava multidões, e depois de tanto tempo atrás das grades do castelo era bom finalmente está em meio a tanta gente.

A fumaça dos cigarros e das lanchonetes subia ao ar e o tornava expresso, não era possível ouvir nada além o burburinho das pessoas, era como está dentro de uma colmeia gigante, o som fazia os ouvidos de Nicolas doerem, mas essa foi uma sensação que ele preferiu ignorar.

Ele seguiu em direção à saída, não arrastava nenhuma mala consigo além de uma mochila pendurada em suas costas e uma arma no cos da calça. Vestia-se como um homem normal, algum fazendeiro simples, talvez um jovem aventureiro, coisa muito comum por aqueles dias e que não atrairia tanta atenção quanto ele atravessando metade do país a carro ou avião.

Todos saberiam que o herdeiro do Condado do Mar estaria voltando para casa depois de anto tempo longe e isso criaria o tipo de situação desagradável, como repórteres e multidões o esperando.

Por um segundo Nicolas agradeceu que beatriz tivesse insistido que para que ele voltasse para casa daquele modo. A menina nunca errava, o modo como às visões dela chegaram o havia assustado, ele nunca tinha visto ela daquele jeito, tão longe, em uma visão tão intensa.

Os Sensitivos existiam há muito tempo, os primeiros foram notados antes da guerra, eles eram pessoas com dons especiais, alguns podiam lembrar para sempre, alguns podiam ler mentes, ou falar através delas. Havia alguns como beatriz e sua mãe, que podiam ver o futuro, e havia outros que viam o passado. Todos tinham medo dos Sensitivos. Havia tão poucos deles, mas os poucos que havia eram tremendamente poderosos, por isso as crianças Sensitivas eram rejeitadas. Largadas na floresta ou dadas a pescadores para que as deixassem no mar.

Beatriz era um segredo, Nicolas sequer sabia se o próprio Gabriel sabia do dom da sobrinha. A mãe da menina havia morrido pouco após seu nascimento, enlouquecera, era o que diziam, Nicolas se lembrava dela. Ele próprio era só um menino quando a viu pela primeira vez, mas lembrava-se de como ela era linda e tinha um sorriso perfeito.

Ela sussurrava uma coisa para ele, sempre com tristeza crua banhando a sua doce voz. Ela sussurrava sempre uma única frase para ele todas as vezes que o via, e depois bagunçava o cabelo de Nicolas e lhe.

Ela sussurrava:

"Você não salvará Amália, meu menino."

Nicolas não gostava dela quando ela lhe dizia isso. Ele era pouco mais um menino na época, mas agora ele sabia que provavelmente Hagata tinha o mesmo dom da filha. E diabos, ele não sabia quem era Amália, mas ele queria salva-la.

Ele esperou que o empregado da estação buscasse o cavalo que ele tinha comprado para a viagem, era um animal de pelagem marrom, com pernas adequadas para cavalgar longas distancia. Nicolas subiu sobre o lombo do corcel e sorriu, ao sentir a musculatura sob o pelo lustroso. Nicolas efetuou a compra e partiu.

De cavalo da estação central para o Condado do Mar era uma viagem de dez dias, com seis paradas em Postos de intermédio que ficavam entre as cidades. Ele se manteria longe das vias principais a fim de evitar chamar atenção desnecessária sobre si.

A viagem transcorreu com tranquilidade durante os cinco primeiros dias. Nicolas equilibrava seu consumo de alimento e água de modo que desse tempo ele chegar ao próximo Posto para se reabastecer, e cada vez que parava em um Posto trocava de animal para que o seu pudesse descansar.

Ele não soube ao certo quando começou a sentir que alguém o vigiava, mas tinha a impressão de que alguém o seguia, a sensação era como um formigamento na nuca e Nicolas nunca ignorava uma intuição.

Ele tinha deixado o quarto Posto a pouco mais de doze horas, estava mais atento agora, ele jogou o capuz do sobretudo por cima da cabeça para que lhe cobrisse o rosto.

Estava quente, terrivelmente quente, mas a leste ele via uma grande nuvem negra que se aproximava rapidamente vinda do mar.

Nicolas uma vez leu em um livro que há muito tempo atrás as estacoes eram definidas em alguns lugares que você não precisava se preocupar com o clima. Época de chuva era época e chuva, época e sol era época de sol. Primavera, verão, outono, inverno. Nicolas não conseguia imaginar algo assim, mas era uma ideia tentadora que o mundo fosse assim.

Com cede Nicolas pegou o odre de água em sua cintura e tragou com vontade um gole a fim de aliviar a sensação seca em sua garganta. Faltava umas cinco horas para chegar ao próximo Posto e Nicolas estava decidido a seguir viagem ate lá e depois descansar por um tempo antes de ir para casa.

A verdade era que Nicolas não estava pronto para voltar para casa ainda, os três anos que havia passado no castelo tinham aberto os olhos de Nicolas para uma centena de coisas que antes ele aceitava sem questionar. Sabia que não seria fácil lidar com o seu pai depois de tudo, Gabriel tinha lhe ensinado muitas coisas, o que era justiça, o que era o povo, o que era ser um líder, teoricamente essas eram coisas que ele, como filho e herdeiro de um conde, deveria saber.

E ele sabia de um modo tão tortuoso que ficara horrorizado consigo mesmo e obrigou-se a esquecer de tudo e a aprender novamente.

Para seu pai justiça, não tinha nada a ver com honestidade ou integridade, justiça para Adolpho era vingança, represália. Para Gabriel, justiça era retidão, integridade, honestidade sobre o certo, o errado, a punição.

O barulho de vidro estilhaçado tirou Nicolas de seus pensamentos. O vento parecia ter parado enquanto ele conferia a sua volta, o som veio de algum lugar as suas costas, mas não havia nada ali, estava andando em uma cidade que havia sido abandonada depois da guerra, muito próxima ao litoral e sem proteção, algumas Raças desembarcavam por ali, entrando cladestinamente no país, e a maior pare da população temia as Raças como se elas fossem monstros assustadores.

- Por que não terminamos com essa brincadeira de esconde-esconde e vocês dizem logo o que querem? – Nicolas propôs em voz alta.

Ele se estava varrendo os arredores com olhos cuidadosos, não querendo se pego de surpresa. Esperou um, dois, três minutos, ainda olhando na direção na qual tinha certeza que o vidro se quebrara, depois de um tempo longo o suficiente para que ele começasse a pensar que talvez tenha sido um animal a esbarar em algo e quebrar o vidro uma figura apareceu de frente aos seus olhos, e não importou o quão alerta Nicolas tenha ficado ele certamente se surpreendeu.

Porque de tudo que ele tinha imaginado, um bandido de estrada, um inimigo de seu pai, ou talvez alguém que Gabriel tivesse mandado para vigia-lo, Nicolas certamente não imaginara nada como aquilo.

Uma menina alta, com cabelos loiros que eram uma bagunça desordenada sobre sua cabeça. Estava vestida com trapos e estava descalça, e mesmo com o rosto e os braços sujos do pó das estradas ele podia ver que ela tinha feições delicadas.

Ela olhou para ele, um grande par de olhos castanhos, e falou lentamente:

- eu não estive, em momento algum, brincando de esconde-esconde, senhor.

Ela tinha a voz mais linda do mundo, Nicolas pensou, e ao notar isso ele teve a sensação de que talvez naquele momento que sua vida, de algum modo, mudara.

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