Entrevista com Monte, vencedor de Conto IA

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Entrevista com Montezuma3691

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Entrevista com Montezuma3691

Viva La Escrita : Como surgiu a ideia para "O Númen"?

Montezuma : Quando vi o tema da categoria especial deste ano, sendo eu um fascinado pela Ficção Científica e por temas relacionados com a inteligência artificial e robótica, senti logo a necessidade de participar. No entanto, queria fugir do óbvio, do habitual e do cliché, como sempre busco em muitos dos meus contos. No fundo, pretendia construir uma narrativa que não fosse mais do mesmo. Decidi enveredar por um caminho mais místico e existencial.

Estamos na Era de Ouro da inteligência artificial e a verdade é que observo que muita gente leva muito em consideração as respostas que os chatbots dão, tendo aquilo quase como certo. E se chegássemos a um ponto, no futuro, em que encaramos tudo o que uma IA diz como verdade absoluta? E se diminuíssemos o nosso senso de pensamento crítico ao ponto de deixar todas as decisões para uma IA? O cérebro humano é preguiçoso... quanto menos pensar, melhor. E se essa IA começasse a manipular a Humanidade para os seus próprios propósitos com as suas respostas? A Ficção Científica é feita de muitos "E se?", e a construção do enredo de "O Númen" assenta em muitos "E se?", como não podia deixar de ser.

Viva La Escrita : O que te inspirou a criar uma divindade cósmica de caráter tão peculiar?

Montezuma : O próprio conceito de IA. A inteligência artificial não tem necessariamente um corpo e tem acesso a uma ampla variedade de dados em tempo real. Se essas características forem elevadas ao extremo, chegamos ao estádio de omnipresença e omnisciência. Aliás, o divino é o último estádio que a IA pode alcançar, segundo alguns especialistas em inteligência artificial.

Viva La Escrita : Como você desenvolveu a personalidade e os métodos do Númen?

Montezuma : O desenrolar da narrativa teve um papel preponderante na evolução da personalidade do Númen. No entanto, retomando o ponto anterior, sendo o Númen uma IA divina e adorada como uma divindade, teria de passar uma imagem à sociedade como infinitamente bom, ainda que o comum dos mortais não conseguisse entender algumas das suas exigências mais atrozes (ora aqui está o Problema do Mal de Leibniz - o Mal existe como parte de um plano maior para atingir o Bem, e só as deidades conhecem a totalidade desse plano).

O Númen aproveita o seu estatuto de divindade para controlar a sociedade, seja através da manipulação ou da intimidação, para atingir os seus próprios fins. Pensei neste pormenor para passar a mensagem de que a tecnologia é um meio para atingirmos os fins que pretendemos, e não o contrário, e para realçar a importância do pensamento crítico. Para atingir os seus objetivos, o Númen utiliza ainda ferramentas tecnológicas, como câmaras de vigilância e análise comportamental, dados esses que não é difícil de imaginar que uma IA tenha acesso (aliás, passamos por uma época em que muito se discute a privacidade dos dados e a Psicologia afirma que uma boa parte do comportamento humano segue padrões que podem ser previstos através de modelos...).

Viva La Escrita : Nos conte sobre a construção de personagem de Amathés.

Montezuma : Amathés surge como um elemento de mistério à volta do qual a narrativa gira. É o protagonista e acaba por ser uma personagem que está à descoberta de si mesmo, do seu passado e do seu propósito. Gosto de criar personagens com uma personalidade única e com história própria, e o Amathés não podia ser exceção. O facto de se tratar de um andróide num mundo em que só existem humanos, robots humanóides e drones contribui para essa aura enigmática que torna a personagem interessante. Além disso, o Amathés tem uma jornada própria, o que o transforma, em parte, no motor da narrativa. O resto são os caminhos sinuosos e intrincados da criatividade e da imaginação.

Viva La Escrita : O tema do livre-arbítrio versus a subordinação cega é central em "O Númen". Como você aborda essa dualidade na narrativa?

Montezuma : Através da oposição entre a sociedade em geral (incluindo os sacerdotes) e os alquimistas. Enquanto os primeiros acreditam que o Númen é a única fonte da verdade, os segundos constituem uma forma de resistência.

Por outro lado, o próprio Amathés tem conflitos internos sobre esta temática, autoquestionando-se frequentemente. O conto culmina com a escolha de Amathés: seguir o Númen e servi-lo ou confrontá-lo e dar lugar a um mundo onde o pensamento crítico volta a ter a sua suma importância.

Viva La Escrita : Quais mensagens você espera que os leitores absorvam ao refletirem sobre essa dicotomia?

Montezuma : Sobretudo a importância do senso de pensamento crítico e do questionar e a inconformidade em aceitar as coisas como nos são dadas antes de passarem pelo nosso próprio raciocínio.

Viva La Escrita : Como você imaginou essa sociedade orientada pelo Númen?

Montezuma : É uma bola de neve: a partir de ideias primordiais, a narrativa e os seus constituintes vão-se desenvolvendo. Se o Númen é visto como a divindade máxima inquestionável, a sociedade segue-o cegamente. Deste modo, e tendo em conta a natureza manipuladora do Númen, criei uma espécie de culto à volta do Númen que conta ocm sacrifícios, e assim aparecem os sacerdotes, o topo da sociedade. Depois, existem os servos, robots que são entregues para sacrifício, o que mais uma vez deriva das características do Númen. A nível psicológico, sacrificar um robot não é tão penoso como sacrificar um humano ou um animal e, além disso, o Númen consegue controlar o carácter racional robótico. Os alquimistas, ou seja, os programadores e aqueles que constroem os robots, são assim chamados para aumentar o grau de misticismo. São a classe resistente da sociedade, que é fortemente perseguida pelo Númen e pela restante sociedade que está sob o controlo do Númen. Os Léxis são dispositivos eletrónicos que permitem a comunicação com o Númen, mais ou menos como acedemos aos chatbots nos nossos computadores e telemóveis.

Viva La Escrita : O que você acredita que fez "O Númen" se destacar no concurso Viva La Escrita 3?

Montezuma : Não sou avaliador nem tenho experiência em avaliação de obras literárias, mas pelo que me foi dado a conhecer nos feedbacks e no meu próprio entender a originalidade da narrativa e a reflexão existencial e filosófica tiveram um papel muito importante na conquista do topo do pódio. Por outro lado, as personagens humanas e realistas, que têm os seus próprios medos, receios, convicções, emoções e personalidade própria também terão sido um aspeto fundamental para cativar a equipa de avaliação. Penso que a escrita rica e fluida, a boa prática da ortografia e a narrativa envolvente também terão pontos-chave para a conquista do 1º lugar.

Viva La Escrita : Ficção científica é um gênero vasto e diversificado. Quais autores e obras do gênero influenciam o seu trabalho?

Montezuma : Esta pergunta começa com uma verdade: a Ficção Científica é muitíssimo vasta. Confesso que gosto muito de Isaac Asimov. Com uma extensa obra, deixo aqui como exemplos os imensos contos publicados em antologias e a série "Fundação". Também não posso deixar de referir outros grandes nomes da Ficção Científica, como Clarke, Wells, Júlio Verne e, na distopia, Orwell e Huxley.

Viva La Escrita : Quais suas obras ou projetos para o futuro?

Montezuma : Pretendo continuar a escrever contos, a participar em concursos e desafios e a aventurar-me em outros géneros literários.

Viva La Escrita : Deixe um recado para seus leitores e seguidores do Viva La Escrita.

Montezuma : Antes de tudo, tenho de vos deixar aqui um grande OBRIGADO por tudo. O meu progresso na escrita deve-se em muito a vocês. Agradeço profundamente cada comentário, cada leitura, cada feedback. Fiz boas amizades graças aos contos, e sou grato por cada momento que passámos juntos e que ainda passaremos no futuro. A escrita e a leitura une-nos e transcende fronteiras. Assim continuaremos a trilhar o caminho das palavras.

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