Capítulo 3 - Manual de como escandalizar pessoas de boa fé

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Agatha

A maneira como as fadas se comportam aqui é simplesmente inconcebível. Como se mantém a dignidade nesse cenário?

Adeline me contou sobre seu encontro com o príncipe. Ao contrário do que aconteceu comigo, Castiel foi irritante, mas não conseguiu desestabilizá-la. Minha irmã gêmea é firme como uma rocha, e o encontro deles se resumiu a uma troca de farpas sobre a superioridade das espécies. Nada de gritos ou mordidas.

Comigo, no entanto, tudo foi diferente: Castiel conseguiu balançar o meu juízo. Respiro fundo, tentando afastar as lembranças do meu primeiro contato com ele. Por mais que tente evitar, sou invadida por imagens dos seus lábios rosados e do cabelo escuro caindo sobre o rosto. Seu perfume parece ainda estar impregnado em minha pele.

Basta! O simples fato de pensar nele já é uma traição à minha espécie.

— Agatha. — Adeline me chama e eu me agito como um peixe fora d'água. — Não estou confortável. — Ela sussurra, contorcendo-se na camisola que mal cobre seu corpo. Sua pele clara brilha contra o tule vermelho, e eu sei o quão incômodo é para ela.

— Sinto muito, Adel. — Me aproximo dela e toco o tecido vermelho entre os dedos. — Quer trocar comigo? — Murmuro, tentando soar o mais tranquila possível.

— Não, claro que não. — Ela responde de imediato.

Eu aperto sua mão, sentindo o peso da responsabilidade. Dou um suspiro profundo, afastando-me do espelho e sentando na cama na tentativa de encontrar algum senso de normalidade. Adeline passeia pelo ambiente, visivelmente nervosa com a ideia de expor algo tão íntimo a todos. Afinal, a cor de nossas roupas revela o segredo da nossa castidade. O vermelho é para as fêmeas já defloradas, e o branco é para as fêmeas puras.

Usar uma camisola vermelha é exibir uma etiqueta de vivências proibidas para nós. Ela parece sentir-se culpada, e eu me sinto péssima por isso. Sei que perder sua castidade nunca foi uma escolha dela, e sim uma forma de me proteger. Essa é Adeline: sempre sacrificando-se por mim. E agora, estamos assistindo nossos muros de proteção desmoronarem.

Ainda estou tentando entender o que é a Lupercália. Já ouvi falar desse evento em outras ocasiões; afinal, é um marco na cultura pecaminosa das fadas. Agora, me vejo envolvida em suas tradições. Não pretendo me aproximar do herdeiro das fadas, muito menos dançar para ele. Esse festival é basicamente uma pista de dança e erotismo para machos e fêmeas se acasalarem ao ar livre.

Imagino o anúncio do festival tomando vida diante de mim. Fêmeas vestidas com capas vermelhas, oferecendo-se como presas para machos escondidos por trás de máscaras de animais. É absurdo, inaceitável. Existem etapas, uma pior do que a outra. No Emparelhamento, as fêmeas devem tentar seduzir alguém; e as selecionadas procurarão por Castiel. No Cortejo, ele irá escolher uma ou mais elfas para passar a noite em abstinência profana, com certeza sussurrando promessas levianas. Uma ou mais! Cerro os dentes. E para finalizar o espetáculo de horrores, existe a Caçada. Quando o relógio bater meia-noite, as fêmeas devem correr pelos bosques e se esconder até serem pegas pelos parceiros... E quando enfim capturadas, estarão a mercê das vontades deles. Retorço os lábios, ainda em choque com a ideia de Castiel ter tamanho poder sobre o sangue do meu sangue. Aperto a mão de Adeline e seguimos para o jardim em um silêncio contemplativo.

A decoração do ambiente é exuberante: uma verdadeira explosão de cores e detalhes. Fogueiras crepitantes emitem uma luz fantasmágorica, formando sombras dançantes das árvores e arbustos. A grama sob meus pés está coberta com pétalas de rosas vermelhas, uma trilha que parece me conduzir por um labirinto de excessos. Árvores frondosas criam um túnel natural, e os seus galhos decorados com guirlandas de flores e ramos de louro parecem mais mágicos sob o show de luzes cintilantes. É tão extravagante e tão distante do que conheço. Cada detalhe traz consigo um toque de "não pertence ao meu reino". Pisco algumas vezes e tento me acostumar com o ambiente quando a movimentação das fadas e elfos começa a esquentar o lugar. Poucas roupas, muitas risadas. Do ângulo em que estou estou, vejo casais dançando de forma exagerada, entrelaçando seus corpos como se estivessem tentando resolver um quebra-cabeça.

A visão desses gestos passionais, que eu mal posso considerar aceitáveis, é perturbadora. Para mim, essa intimidade é mais uma exibição pública do que uma celebração de amor genuíno.

Os dançarinos se movem em uma coreografia sensual, seus corpos ondulando e se contorcendo como se obedecessem a um "manual de como escandalizar pessoas de boa fé." A melodia e os ritmos intensificam a imoralidade do ambiente. A alegria que as fadas transmitem só aumenta meu desconforto, pois cada sorriso e cada toque são uma afronta aos valores do meu povo. Como meu rei pôde permitir tamanha demonstração de desrespeito?

O que deveria ser um espaço de reverência é transformado em um palco para performances. Frutas e flores estão aqui, não como uma homenagem real à vida, mas como acessórios para os desperdícios da carne.

Pressiono os lábios e desvio o olhar para Adeline, tentando garantir que esteja bem.

— Olhe, a rainha deles. — Minha irmã se inclina e sussurra em meu ouvido, apontando para Evelynn, a rainha das fadas.

Meus olhos se ampliam em puro choque ao ver a fada quase nua, coberta por pedaços de pano escarlate tão finos que posso ver seus seios. Um sorriso viperino brinca em seus lábios e ela se inclina para sussurrar algo no ouvido de um macho jovem demais para ser seu marido. Ele lambe os lábios de forma tão impudica que meu rosto queima de vergonha, e eu desvio o olhar. Recuo um passo e puxo Adeline para um espaço mais escondido.

Vejo Castiel abrir caminho, ao lado do irmão, para o interior do jardim. Seu pescoço está manchado por um hematoma, que foi causado por mim. Ele poderia tê-lo curado na enfermaria, mas não deve querer se misturar conosco e nossas habilidades.

Ele se move preguiçosamente, e diferente dos outros, não veste a máscara no rosto. O herdeiro das fadas a segura em uma das mãos, ostentando um sorriso mordaz ao pegar uma taça de vinho. Adrian, o príncipe mais novo, enlaça a cintura de uma fada de cabelos cor de fogo que se inclina para servi-lo quase instantaneamente.

Todos os olhares se voltam para Castiel, como se o príncipe fosse o próprio sol e nós, os planetas que giram ao seu redor. Trinco os dentes, puxando o fôlego irritada. Não quero ser mais uma a orbitar nas suas proximidades, mas não consigo tirar os olhos dele. Os olhos escuros vasculham o ambiente sem pudor, procurando por algo — ou seria alguém? O ar me escapa quando nossos olhares se encontram e ele ergue a taça para mim. Antes que eu possa reagir, uma elfa se aproxima e o puxa pelo braço com determinação.

Pisco algumas vezes, surpresa ao notar que se trata de Thalassa Locket, a selecionada que saiu em chamas da recepção. A visão não me agrada, mas não por causa de Castiel, e sim por ver minhas irmãs de terra se curvando aos seus costumes. Balanço a cabeça negativamente.

Alguns minutos depois, Aimee Longlark aparece em uma camisola vermelho-sangue e arrebata Castiel dos braços de Thalassa. As duas se encaram em uma disputa silenciosa, até que Thalassa se afasta, visivelmente brava. Aimee o puxa para perto de si, entreabrindo os lábios e sentando em seu colo ao dançar descaradamente.

— Ela não pode ser uma de nós. — Adeline murmura em meu ouvido. Eu recuo mais um passo, sentindo o estômago revirar enquanto assisto a cena.

Aimee o puxa para dentro da floresta e seus olhos brilham com astúcia e fome. O príncipe se deixa levar sem qualquer resistência.

— Quero ir embora. — Afirmo, puxando a mão de Adel. Ela me olha confusa e surpresa, mas não questiona minha decisão enquanto piso firme para longe do jardim.

EU ODEIO CASTIEL LILITWILL!

Ele está manchando a reputação do meu povo, seduzindo as elfas para traírem seus próprios costumes e derramarem impurezas em solo sagrado.

Estaria ele beijando Aimee? Tocando-a onde me tocou? Reviro os olhos, sem fôlego. Isso não é do meu interesse! Para mim, a noite acabou aqui.

•••

Ora, ora, Agatha parece confusa hahaha (quem não ficaria?)

Comentem dos personagens, qual o favorito de vocês até agora?

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